sexta-feira, 12 de abril de 2019

CIENTISTAS NEGRAS NO BRASIL: ELAS EXISTEM?

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A necessidade de insistir na diversidade para romper com ‘silenciamentos’ e desigualdades.


Fiz a opção de subverter a ordem das coisas na estreia desta seção. Em lugar de tratar especificamente do meu trabalho como mulher na ciência, decidi falar das mulheres na ciência. Melhor, das mulheres negras brasileiras na ciência.

Em 2016, após ter visto o filme Hidden Figures (dirigido por Theodore Melfi, que no Brasil ganhou o título de Estrelas Além do Tempo), saí do cinema me questionando sobre a presença de mulheres negras brasileiras na ciência. Quem foram as personagens escondidas no campo científico, mulheres com significativa contribuição ou com participação importante em projetos e que são completamente desconhecidas de nós? Elas existiram?

Ainda que a presença de mulheres em carreiras acadêmicas no Brasil venha aumentando, o número daquelas na chefia de laboratórios ou de projetos de pesquisa ainda é pequeno, em relação aos homens, nas universidades e centros de pesquisa. Para fazer frente a esse cenário, em escala global, empresas e organizações internacionais têm trabalhado para diminuir a desigualdade de gênero no mundo da ciência e dar maior visibilidade à contribuição de mulheres na área, como é o caso da premiação anual For Women in Science – organizada pela Unesco e L’Oreal–, que homenageia jovens pesquisadoras renomadas em todo o mundo. Mas, não podemos esquecer, mulheres são várias – negras, brancas, pobres, ricas etc. – e, quando não pensamos na diversidade que essa categoria engloba, podemos contribuir para perpetuar ‘silenciamentos’ e desigualdades.

Numa simples pesquisa on-line sobre a presença de ‘mulheres nas ciências’, aparecerão europeias e americanas que se destacaram em pesquisas nas áreas das ciências exatas, biológicas e tecnológicas. Se a busca for feita por ‘mulheres brasileiras cientistas’, aparecerão nomes de mulheres brancas que se dedicaram basicamente às referidas áreas.

No livro Pioneiras da Ciência no Brasil, foram selecionados os nomes de 19 mulheres, apenas duas ligadas à área de humanidades. As demais são das ciências exatas e da terra (matemática, física, química), ciências biológicas, ciências da saúde, ciências agrárias, engenharias e ciências sociais aplicadas, em ordem decrescente. O de conceito’ciência’ nesse livro de memória das cientistas do Brasil privilegiou as chamadas áreas duras e tecnológicas, mas, como se sabe, as ciências têm vários ramos que não se restringem aos citados.

A maior parte dessas mulheres era descendente de europeus e pertencia à elite econômica ou intelectual brasileira, recebeu formação no exterior ou em instituições do Rio de Janeiro e São Paulo, com exceção de duas, que estudaram na Bahia e no Pará. A expressa maioria também desenvolveu suas carreiras em universidades e instituições de pesquisas do Rio de Janeiro e São Paulo, o que demonstra as disparidades regionais de nosso país, reforçadas pela concentração dos recursos para pesquisa nos estados do Sudeste e Sul.

As cientistas elencadas no referido livro atuaram na pesquisa, no ensino e na produção de artigos para divulgar os resultados de suas investigações científicas. Contudo, outras mulheres participaram de processos importantes, mas não assumiram postos de comando, fosse em razão da discriminação de gênero ou em decorrência da discriminação racial do período.

Importante notar a ausência absoluta de mulheres negras nesta lista. Isso se explica pelo preconceito, que fazia das universidades ambientes (quase) exclusivamente masculinos e brancos, reservados para a formação dos quadros da elite brasileira, da mesma cor e gênero.


Hoje, podemos atualizar o quadro de cientistas brasileiras, incluindo negras pioneiras que, atuando como pesquisadoras em universidades, produzem artigos, livros, assumem cargos de liderança em suas instituições e fazem a diferença, porque pensam uma ciência mais inclusiva e democrática.


Na imagem: Virgínia leone Bicudo


Aqui deve ser lembrado, como exceção, no âmbito das ciências sociais, o nome de Virgínia Leone Bicudo (1910-2003). Negra, nascida em São Paulo, estudou psicanálise na Escola de Sociologia Política de São Paulo. Escreveu, sob orientação do sociólogo estadunidense Donald Pierson, a dissertação ‘Estudo de Atitudes Raciais de Pretos e Mulatos em São Paulo’ (1945), defendida na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. No mesmo ano, começou a lecionar nessa instituição. Bicudo escreveu vários artigos sobre a intrínseca relação entre condições sociais/meio ambiente e psicanálise e empenhou-se na divulgação da psicanálise no país. Participou da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, foi diretora do Instituto de Psicanálise (1961-1975), fundou o Grupo Psicanalítico de Brasília (1970) e, depois, o Instituto de Psicanálise de Brasília.

Graças à universalização do ensino no Brasil, mulheres negras têm ocupado o lugar de produtoras de novos saberes em diversas áreas do conhecimento científico, aqui entendidas as diversas disciplinas, inclusive as ciências humanas. Hoje, podemos atualizar o quadro de cientistas brasileiras, incluindo negras pioneiras que, atuando como pesquisadoras em universidades, produzem artigos, livros, assumem cargos de liderança em suas instituições e fazem a diferença, porque pensam uma ciência mais inclusiva e democrática.

Assim, alguns nomes pioneiros devem ser aqui mencionados, como o das professora de artes Zélia Amador de Deus (Universidade Federal do Paraná) e Leda Martins (Universidade Federal de Minas Gerais); as especialistas em educação e relações étnico-raciais Petronilha B. Gonçalves e Silva (Universidade Federal de São Carlos), Maria Nely Santos (Universidade Federal de Sergipe) e Ana Célia da Silva (Universidade do Estado da Bahia); as especialistas em literaturas africanas de língua oficial portuguesa Maria Nazareth Fonseca (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) e Laura Cavalcante Padilha (Universidade Federal Fluminense); as historiadoras Mundinha Araújo (Arquivo Público do Estado do Maranhão) e Marilene Rosa Nogueira da Silva (Universidade do Estado do Rio de Janeiro); a socióloga Luiza Bairros, a poetisa, ensaísta, romancista e especialista em literatura e educação Conceição Evaristo; e a especialista em antropologia e educação Josildete Gomes Consorte (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), entre muitas outras.

Nota-se, no entanto, uma concentração de mulheres dessa geração no campo de humanidades, a sugerir uma abertura maior para a incorporação da diversidade racial e de gênero nessa área do que nas ciências exatas, biológicas etc. Essas mulheres pioneiras podem ser vistas como fundadoras de uma genealogia intelectual imaginária, que hoje floresce com força entre pesquisadoras negras, apesar dos obstáculos ainda vigentes numa sociedade caracterizada pela discriminação de gênero e raça. Circunstância, aliás, que tende a se agravar em razão do ‘desinvestimento’ em ciência, tecnologia e educação superior que caracteriza o governo federal nos últimos dois anos, apontando nessa direção para o futuro.

Trajetória de luta

Os passos fortes dados pelas mulheres negras citadas neste artigo na produção de conhecimento abriram caminhos para outras, mais jovens, que hoje ocupam importantes lugares na construção de novos saberes, nos diversos ramos do conhecimento, em diálogo com interlocutores nacionais e internacionais. A demonstrar a presença significativa da mulher negra entre pesquisadoras atuando em instituições de ensino superior e de pesquisa, remeto àquelas reunidas em entidades como a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros/ABPN – cujo cargo de presidente é ocupado hoje por uma cientista negra, a doutoraem química Ana M. Canavarro Benite (Universidade Federal de Goiás) – e o Grupo de Pesquisa de Intelectuais Negras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Mulher negra, sou herdeira dessa longa trajetória de luta. Fiz a graduação em História na Universidade do Estado da Bahia, no campus de Jacobina, minha cidade natal. Com mestrado em História pela PUC-SP e o doutorado em história social pela USP, desde 2010, sou professora adjunta de História da África Pré-Colonial, do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais, onde ministro aulas na graduação e pós-graduação, além de orientar pesquisas. Minha entrada na UFMG coincidiu com a criação da disciplina de História da África na universidade. E vejo crescer o interesse de estudantes em realizar pesquisas nessa área. Entre 2010 e 2018, orientei cerca de 7 dissertações e teses de doutorado e há mais 9 em andamento. Orientei cerca de 10 estudantes de iniciação científica, do Brasil e de outros países. Em 2012, foi criado na universidade o Centro de Estudos Africanos, que dirigi entre 2014 e 2018.Desde 2013, integro o Comitê Científico da UNESCOpara o Projeto História Geral da África.


Vanicléia Silva Santos

Departamento de História
Universidade Federal de Minas Gerais
Revista Ciência Hoje

Para ensinar, é preciso saber o quê?

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Nasce um espaço para criar pontes entre escola e universidade, aproximar professores do ensino básico de cientistas e unir a teoria à prática.


Há muitas décadas, já percebemos que o diálogo e a parceria entre universidade e escola são fundamentais para a qualificação da formação acadêmica e da educação escolar. O mesmo vale para o avanço da pesquisa, da produção de conhecimento teórico e da inovação em todas as áreas. Apesar disso, impasses e desafios nesse campo estão mais vivos do que nunca.

Por um lado, dentro da escola, os professores buscam estratégias para entender como aprendem seus alunos, para falar uma língua mais próxima à dos estudantes e para atraí-los a essa deliciosa aventura que é aprender. Por outro, muitos desses docentes se sentem no mesmo (des)lugar dos alunos, ao tentar acompanhar, compreender e transportar para a prática cotidiana da sala de aula as mais novas e admiráveis teorias, metodologias, conclusões e descobertas difundidas por pesquisadores da academia em congressos e revistas especializadas.

Afinal, o que (ou quanto, ou como) um professor precisa saber sobre uma disciplina para ensiná-la na educação básica? A questão tem gerado intensos debates – às vezes com posições muito divergentes. Alguns defendem que, para dar aula de uma disciplina na escola básica, deve-se “saber muito” o conteúdo. Outros afirmam que o importante mesmo é dominar “técnicas pedagógicas”.

É preciso ter cuidado com posições excessivamente “conteudistas” ou “conteudofóbicas”, uma vez que essa discussão deve ser pautada por questionamentos muito mais amplos, com respeito ao papel da escola, aos objetivos do ensino de cada disciplina, à profissão de docente e ao diálogo com os alunos.

O que quer dizer “saber muito” uma disciplina? Saber como? Como esses saberes se relacionam com os objetivos da escola e a atividade profissional do professor? E como se relacionam com o que a prática e a teoria nos têm ensinado sobre os processos de aprendizagem, ou seja, as formas como aprendem crianças e jovens?

Uma primeira perspectiva para os saberes necessários a quem ensina poderia preconizar que, para ser capaz de ensinar uma disciplina, é suficiente “saber muito seu conteúdo”. Neste caso, os espaços de aprendizagem profissional do docente estariam restritos a cursos e oficinas conduzidos por especialistas da universidade, cujo papel seria gerar conhecimentos formais ou teóricos para professores aprenderem, utilizarem ou aplicarem na prática. No entanto, saber que aspectos de um conteúdo são relevantes para quem está aprendendo vai muito além do conhecimento do conteúdo per se.



Outra perspectiva – que, em certo sentido, se situa no extremo oposto da primeira – é a de que, para ensinar uma disciplina, é suficiente “conhecer suas técnicas pedagógicas”. Bastaria, então, reproduzir essas técnicas, aprendidas com professores mais experientes, na própria escola. Neste caso, os saberes necessários ao ensino estariam reduzidos a uma dimensão do “saber-fazer”, à simples reprodução e aplicação de técnicas.

Entretanto, ambas as perspectivas – cada uma em seu próprio extremo – desconsideram as articulações entre conteúdo curricular e pedagogia, necessárias para dar conta da produção de sentidos sobre o conteúdo em cada contexto pedagógico.

Considere, por exemplo, o caso de um professor que ensina matemática nos anos iniciais do ensino fundamental. Observe duas estratégias diferentes para resolver uma operação de divisão com números naturais.



Qual das formas de resolver essa operação em sala de aula é a melhor?(Reprodução: artigo “Formação de
professores de matemática: para uma abordagem problematizada”, Giraldo, V., editora Ciência & Cultura, 2018)

Qual das duas estratégias é melhor? Se respondermos a essa pergunta levando em conta apenas o conhecimento de matemática per se ou somente a “eficiência da técnica”, provavelmente, será a estratégia da esquerda, por conduzir ao resultado em um número mínimo de passos. No entanto, dos saberes para o ensino, devemos levar em conta que a estratégia da esquerda deixa mais transparentes aspectos conceituais da operação, que podem ser fundamentais para a aprendizagem.

Saberes necessários ao ensino, portanto, não podem ser dissociados em teóricos e práticos. E são os professores que constroem esses saberes quando investigam intencionalmente suas próprias práticas, à luz tanto dos saberes científicos/acadêmicos como daqueles que emergem do cotidiano da sala de aula da escola básica.

Assim, os espaços de formação docente não podem se restringir à universidade ou à escola, mas se constituir a partir da parceria entre ambas, contando com a participação ativa – e as experiências – dos professores que atuam nos dois ambientes. Nesta perspectiva, a prática não pode ser entendida em oposição à teoria, mas, sim, como um espaço em que os professores produzem teorias e as experimentam na própria atividade profissional.

Portanto, os professores que lecionam na escola básica não devem ser vistos como personagens periféricos que aplicam ou disseminam conhecimentos produzidos por outros. Eles são atores com papel central nos processos de constituição de saberes, que devem ser incorporados aos programas de formação do professor, nos quais docentes que atuam na escola básica devem ter uma participação ativa e um papel de destaque, em parceria com a universidade.

Essa perspectiva pressupõe que é crucial para o ensino um entendimento sobre as articulações entre o conhecimento formal constituído (presente, por exemplo, nos meios científicos e nos currículos escolares) e os processos de produção de conhecimento, tanto do ponto de vista histórico como das produções de sentidos em cada contexto social da sala de aula. A profissão docente não se reduz, portanto, ao “saber-fazer” algo, atingindo a dimensão do “saber-ser” professor.

A boa notícia é que as novas formas de comunicação, tecnologia e produção de conhecimento apontam para modelos não-lineares e despolarizados, modelos colaborativos, que permitem entrelaçarmos e colocarmos em discussão o que sabemos e o que fazemos, de forma que cada instância alimente e incremente a outra.

Com a devida contextualização, sejam bem-vindos à seção “Outras Palavras”. Neste espaço, os textos serão sempre produzidos a quatro mãos. Resultarão do diálogo entre professores e cientistas. Em pauta estarão os dilemas, impasses e desafios da realidade escolar conectados a uma perspectiva acadêmica. O propósito é produzir saberes e práticas “mais amigos”.
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