segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Os maiores mitos sobre o cérebro dos adolescentes

Nas últimas duas décadas, os cientistas conseguiram mapear as mudanças neurais verificadas ao longo desse período central do desenvolvimento humano e decodificar os mistérios do cérebro dos adolescentes


David Robson



A adolescência pode ser difícil, mas é também uma época de criatividade, alegria e liberdade - (crédito: Getty Images)

A psicóloga Terri Apter recorda uma ocasião em que explicou para alguém com 18 anos como funciona o cérebro dos adolescentes. E a pessoa, cheia de satisfação, respondeu: "Então, é por isso que tenho a impressão de que a minha cabeça vai explodir!"

Os pais e professores de adolescentes devem reconhecer essa sensação de lidar com uma mente em constante ignição. A adolescência pode parecer uma transformação perturbadora — uma reviravolta da mente e da alma, que faz com que aquela criança se torne alguém irreconhecível.

Existem as mudanças de humor difíceis de controlar, crises de identidade, desejo de aprovação social, um gosto recém-descoberto pelo risco e pela aventura e uma incapacidade aparentemente absoluta de pensar nas repercussões futuras das suas ações.

E, em meio a toda essa confusão, o potencial acadêmico dos adolescentes é determinado de forma consistente, com ramificações que podem influenciar uma vida inteira.

O destino de uma pessoa nunca é completamente definido aos 18 anos, mas um histórico escolar impecável certamente facilitará o ingresso em uma universidade de prestígio — o que, por sua vez, aumenta as opções de emprego. E a montanha-russa emocional própria da idade pode tornar extremamente difícil para um adolescente atingir todo o seu potencial intelectual.

Nas últimas duas décadas, os cientistas conseguiram mapear as mudanças neurais verificadas ao longo desse período central do desenvolvimento humano e decodificar os mistérios do cérebro dos adolescentes.

Estas novas e animadoras descobertas ajudam a explicar os sentimentos dos adolescentes e a forma como eles agem. Mais do que isso, também demonstram que algumas das características que os adultos costumam achar difíceis ou desconcertantes nos adolescentes podem se transformar em potencial para adquirir técnicas e conhecimentos em uma época da vida em que o cérebro ainda é maleável.

Afinal, é na adolescência que também acontecem diversos saltos cognitivos. Os adolescentes se baseiam no que aprenderam quando crianças para desenvolver formas maduras e sofisticadas de pensar, incluindo o raciocínio mais abstrato e uma "teoria da mente" diferenciada.

"Cinquenta anos atrás, as escolas não consideravam necessário que os estudantes aprendessem sobre a puberdade", diz o psicólogo clínico John Coleman, autor de The Teacher and the Teenage Brain ("O professor e o cérebro adolescente", em tradução livre).

"E acho que, daqui a 20 ou 30 anos, estaremos perguntando por que não estávamos [hoje] ajudando os alunos a compreender o que se passava nos seus cérebros. Pode fazer toda a diferença."Por que adolescentes sarcásticos podem ser os mais inteligentes



Getty ImagesA adolescência pode ser uma época de enorme crescimento intelectual e intensa pressão acadêmica
Como compreender o cérebro dos adolescentes

Não surpreende que muitos adolescentes, ao longo da história, tenham se queixado ou se sentido incompreendidos.

Nossas explicações tradicionais sobre o comportamento dos adolescentes são grosseiras e frustrantes. Seu comportamento arriscado, sua rebeldia, sua impulsividade e sua irritabilidade geral podem ser facilmente atribuídos a fatores como a ignorância e a imaturidade, aos seus hormônios "desenfreados" e ao aumento dos seus impulsos sexuais.

Muitas vezes, suas queixas de angústia emocional causam risadas. Como disse recentemente a neurocientista Sarah-Jayne Blakemore, autora de Inventing Ourselves: The Secret Life of the Teenage Brain ("Inventando a nós mesmos: a vida secreta do cérebro adolescente", em tradução livre): "Não é socialmente aceitável ridicularizar ou demonizar outros setores da sociedade... mas é estranhamente aceitável ridicularizar e demonizar os adolescentes".

Até as teorias mais científicas pintaram um quadro nada compreensivo da vida dos adolescentes, o que só aumentou seu senso de alienação. Nos anos 1950, por exemplo, a psicanalista Anna Freud propôs que os adolescentes estariam tentando "divorciar-se" dos pais, cortando seus laços de família, para que pudessem seguir com suas vidas.

A ideia era que "o adolescente estava tentando expulsar os pais do seu mobiliário interno", afirma Apter, que também escreveu The Teen Interpreter: A Guide to the Challenges and Joys of Raising Adolescents ("O intérprete dos adolescentes: guia para os desafios e alegrias de criar adolescentes", em tradução livre).

Embora estas explicações possam ter um fundo de verdade, elas desconsideram as nuances da maioria das experiências dos adolescentes.

As entrevistas feitas por Apter indicam que os adolescentes, muitas vezes, buscam desesperadamente a aprovação e a aceitação dos pais. Por isso, eles certamente querem ter independência, mas não a qualquer custo — uma conclusão não muito compatível com a teoria do divórcio.

Apter argumenta que, se quisermos realmente ajudar os adolescentes, precisamos prestar mais atenção às sutilezas dos desafios que eles enfrentam, incluindo as enormes dificuldades sociais que estão atravessando.

Isso inclui necessariamente reconhecer o constrangimento que pode surgir com as mudanças físicas do corpo e as expectativas sociais colocadas sobre eles. Estes fatores podem fazer com que os adolescentes comecem a sentir que eles próprios não se conhecem.

Ao mesmo tempo, precisamos reconhecer as mudanças anatômicas que estão ocorrendo no cérebro. E, com a invenção da ressonância magnética funcional, os cientistas agora podem examinar esta "caixa preta" ao longo de toda a vida.


Getty Images
Os adolescentes muitas vezes querem calor humano e aprovação, mesmo quando lutam por independência
Quais são as mudanças que ocorrem no cérebro dos adolescentes?

À medida que as crianças amadurecem para a idade adulta, o cérebro sofre enormes mudanças. Algumas das mais importantes são:

- O córtex frontal constrói as redes e depois elimina algumas delas ao longo da adolescência, o que ajuda a aumentar a eficiência do cérebro. Isso gera enorme expansão das habilidades.

- Nos lobos frontal e parietal, o cérebro reforça as conexões mais importantes de forma similar. Este reforço aparece nas imagens do cérebro como um aumento considerável da "massa branca".

- À medida que essas mudanças acontecem, algumas áreas do cérebro se desenvolvem com mais rapidez do que outras, o que pode afetar o comportamento. As áreas associadas à recompensa, por exemplo, tendem a se desenvolver com mais rapidez do que aquelas ligadas ao autocontrole, o que pode incentivar a tomada de decisões impulsivas.

Naturalmente, o início da infância é o período de maiores mudanças da vida humana. É nos primeiros meses de vida que o cérebro constrói grandes quantidades de conexões entre os neurônios, para depois eliminar os caminhos neurais redundantes e assim criar redes mais eficientes.

Esta "plasticidade" inata significa que o cérebro da criança mais nova é particularmente maleável, o que permite que ela deixe de ser um bebê chorão para se transformar em uma criança que fala e anda.

Em muitas áreas do cérebro, como as envolvidas no processamento dos sentidos, essas redes tendem a se estabilizar muito antes da adolescência, o que dificulta o aprendizado de certas habilidades motoras ou perceptivas, como linguagem ou música, depois do "período sensível" inicial.

Mas o córtex frontal segue uma trajetória diferente e continua a se desenvolver e eliminar redes ao longo da puberdade e da adolescência, até o início da idade adulta.

Nos lobos frontal e parietal, o cérebro também reforça as conexões mais importantes, acrescentando uma cobertura isolante de gordura, conhecida como mielina, que aumenta a transmissão dos sinais. Na ressonância magnética, ela aparece como um aumento considerável da "massa branca" do cérebro ao longo da adolescência.

Essas áreas em desenvolvimento são importantes para uma série de habilidades, que incluem a regulação emocional, a manutenção da atenção, a solução de problemas e o raciocínio abstrato.

Embora o cérebro dos adolescentes possa já ter perdido parte da maleabilidade do início da infância, esse desenvolvimento contínuo significa que eles ainda são muito sensíveis aos estímulos intelectuais — e mantêm enorme capacidade de aprendizado.

Isso permite que eles acumulem o conhecimento e as habilidades acadêmicas que haviam começado a desenvolver quando crianças e desenvolvam formas mais sofisticadas de conhecer o mundo.

Infelizmente, todas estas mudanças neurológicas e psicológicas podem, às vezes, ser insuportáveis, o que ajuda muito a explicar alguns dos comportamentos que causam tantos transtornos na escola e em casa.


Getty Images
A adolescência pode ser difícil, mas é também uma época de criatividade, alegria e liberdade
Rebeldes com causa

Os adolescentes são famosos por sua rebeldia em geral, seu apetite pelo risco e por sua desobediência às regras.

Estudos de ressonância magnética demonstram que as regiões do cérebro associadas à recompensa geralmente se desenvolvem com mais rapidez que as associadas à inibição e ao autocontrole.

Em média, eles apresentam mais atividade de sinalização de dopamina — um neurotransmissor associado ao prazer e à curiosidade — em comparação com adultos e crianças mais novas, com picos quando experimentam algo novo ou empolgante. Por isso, é fácil imaginar por que os adolescentes são mais propensos a tentar novas experiências.

Uma consequência pode ser a impulsividade e a tomada de decisões arriscadas, mas esta curiosidade também pode trazer vantagens. Os adolescentes podem testar muitas experiências diferentes, o que pode ser útil para orientar suas decisões pessoais na idade adulta.

Começar um romance que seja inadequado, por exemplo, pode ajudá-los a aprender qual tipo de parceiro seria mais adequado.

É interessante observar que existem dados indicando que os adolescentes hoje em dia talvez não estejam tão facilmente sujeitos à tentação do sexo, drogas e rock'n'roll como os de antigamente, mas sua postura em geral mais aberta ainda será evidente em muitas outras áreas da vida, como demonstra sua fascinação pela nova tecnologia.

A busca persistente dos adolescentes por seus próprios interesses e seu desprezo pela autoridade podem até ajudar a alimentar mudanças políticas, sociais e tecnológicas.

"Você tem uma nova geração que irá explorar os limites — você tem grande capacidade inventiva, ousadia e criatividade", ressalta Apter.

Para os pais e professores que preferem que os adolescentes sob seus cuidados passem mais tempo estudando, isso pode ser frustrante. Mas, quando canalizada para causas significativas, essa energia pode ajudar a revigorar o restante da sociedade, quando o assunto são questões como as mudanças climáticas ou outros problemas globais.

Já houve ocasiões, por exemplo, em que os adolescentes e jovens adultos chegaram a lutar bravamente contra ditadores, enquanto as gerações mais velhas se conformaram passivamente.Sophie Scholl: a corajosa estudante alemã que resistiu a Hitler e foi condenada à morte

Oscilações de humor

As oscilações de humor dos adolescentes podem ser explicadas de forma similar, pela interação entre os processos fisiológicos e psicológicos associados ao amadurecimento.

Por um lado, muitos adolescentes sofrem uma flutuação maior dos seus níveis de neurotransmissores e hormônios, como serotonina, GABA e cortisol — e todos podem modificar seu humor.

"A serotonina é o 'hormônio do bem-estar' — e, quando seu nível está baixo, você fica de mau humor", afirma Coleman.

Os adolescentes também estão experimentando uma maior atividade do córtex pré-frontal medial, que está envolvido no processamento e nas reações a outras pessoas.

Pesquisas mostram que a atividade nas áreas do cérebro relativas à autoavaliação tende a atingir um pico no meio da adolescência, especialmente para informações relativas ao status social.

Esta capacidade de compreender as redes e interações sociais é incrivelmente importante na formação das amizades entre os adolescentes, mas pode significar que eles são especialmente sensíveis ao menosprezo e a sinais de hostilidade — o que aumenta sua propensão à ansiedade social.

Além disso, os pais de adolescentes talvez se surpreendam com o tempo que eles podem passar analisando seus próprios sentimentos. Isso acontece, em parte, porque eles ainda não aprenderam a interpretar os sentimentos e reagir de forma construtiva. É muito mais difícil processar uma decepção com o resultado de uma prova, por exemplo, se você nunca tiver enfrentado um fracasso sério antes.

Quando os adolescentes parecerem "extremamente dramáticos", eles estão simplesmente aprendendo a enfrentar sozinhos as complexidades do seu mundo emocional — uma habilidade que será essencial na sua vida futura
.

Getty Images
Os adolescentes gostam de correr riscos, o que também pode deixá-los abertos a experiências positivas
Cabeças dormentes

E, por fim, existe a famosa letargia. Ela é frequentemente confundida com apatia, preguiça ou até mesmo teimosia, quando os adolescentes se recusam a ir para a cama em um "horário razoável" (o que é outro exemplo da sua conhecida rebeldia).

Mas, na verdade, a letargia é algo fora do seu controle. O relógio biológico dos adolescentes está programado de uma forma que está simplesmente fora de sincronia com o ritmo dos adultos.

Nós sentimos sono quando os níveis de melatonina no cérebro aumentam à noite. E, pela manhã, despertamos quando esses níveis caem abaixo de uma certa medida.

Mas, para os adolescentes, a melatonina simplesmente aumenta e diminui mais tarde do que para os adultos, o que significa que eles estarão ativos e despertos quando seus pais estiverem prontos para ir para a cama — e vão ficar sonolentos de manhã cedo, quando seus pais já estiverem acordados há horas.

"Praticamente nenhum adulto terá melatonina no cérebro às 9h da manhã", diz Coleman. "Mas cerca de metade dos adolescentes, sim."
Como aproveitar os 'circuitos de recompensa'

Todas estas descobertas deveriam ser de grande interesse para pais e professores que desejam orientar adolescentes para os desafios da vida — incluindo as exigências escolares, que representam um papel fundamental na adolescência.

Estas lições podem ser particularmente importantes agora, quando os adolescentes estão aprendendo a se adaptar à sua vida normal depois das tensões da pandemia de covid-19.

Estabelecer a disciplina é um exemplo. A frustração com a rebeldia dos adolescentes é algo natural, mas sua extrema sensibilidade social e emocional significa que eles provavelmente não vão reagir bem à raiva.

"Gritar pode ser muito tentador, mas, na verdade, é contraproducente", afirma Terri Apter. "Eles estão tão atentos à mensagem emocional que não vão conseguir ouvir nada da lógica que você está tentando transmitir."

Para discipliná-los de forma mais eficaz, Apter sugere pedir ao adolescente para compensar suas ações. Se estiver frequentando festas e negligenciando seus estudos, por exemplo, os pais podem enfatizar como eles podem conquistar seu direito à socialização comprovando que seus estudos estão em dia, em vez de simplesmente chamá-los de preguiçosos ou colocá-los de castigo.

Considerando o aumento da atividade de dopamina nos circuitos de recompensa dos adolescentes, fazer elogios e dar um retorno positivo também devem ajudar, especialmente se forem feitos com rapidez. Em muitas escolas, os estudantes recebem suas notas apenas semanas depois das provas ou de entregarem seus trabalhos — o que, segundo John Coleman, reduz o entusiasmo e a satisfação com um bom resultado.

"Quanto mais rápido você receber os resultados, maior será o impacto", afirma ele.

Por isso, simplesmente encurtar este processo, oferecendo mais oportunidades de enaltecer os alunos por seus estudos, pode dar resultado, diz Coleman.

E existe a questão do sono. Idealmente, as escolas deveriam alterar sua programação para que os adolescentes pudessem começar suas aulas mais tarde — e evitar fazer provas na primeira metade da manhã.

"Acredito firmemente que as escolas precisam começar a pensar nesta questão", afirma Coleman.

Pais e professores deveriam, pelo menos, dar um desconto para os adolescentes quando eles parecerem sonolentos de manhã. Eles estão sofrendo algo parecido com o jet lag — e a última coisa de que precisam é mais estresse para aumentar o mal-estar.Por que pesquisadores defendem início de aulas mais tarde após experiência de lockdown


Quando o assunto é o estudo em si, Coleman acredita que muitos estudantes poderiam ser beneficiados se conhecessem melhor outras técnicas de aprendizado bem-sucedidas.

Em vez de simplesmente ler e reler textos passivamente antes de uma prova, tentativas de relembrar ativamente o material — por exemplo, resumindo o que eles acabaram de aprender ou tentando responder perguntas sobre o tema — costumam ter mais sucesso.

Este tipo de interação aproveita ao máximo a maleabilidade do cérebro dos adolescentes e sua capacidade de absorver fatos e processar informações complexas, desde que sejam informações interessantes para eles.
Abrace as mudanças

Manifestar interesse verdadeiro pelo sentimento dos adolescentes e ajudá-los a entender as razões dos desafios que eles estão enfrentando, mesmo que você não faça mais nada além disso, pode render altos dividendos.

Ao discutir seu trabalho com adolescentes, Apter teve muitos encontros positivos.

Ela indica que os adolescentes, muitas vezes, são particularmente receptivos à ideia de que as mudanças no cérebro podem ser moldadas pelas suas ações. Na verdade, quanto mais eles praticam técnicas como autocontrole e regulação das emoções, melhor será o resultado, o que é empoderador.

Com o apoio certo, esta explosão mental pode deixar de se parecer com um abalo sísmico e lembrar mais um show de fogos de artifício: dramática, sim, mas também bela, criativa e inspiradora.
https://www.correiobraziliense.com.br/

sábado, 17 de setembro de 2022

‘A educação é a única forma de mudar o mundo’ – diz psiquiatra chileno Claudio Naranjo



‘A educação é a única forma de mudar o mundo’ – diz psiquiatra chileno Claudio Naranjo

“Quando há amor na forma de ensinar, o aluno aprende mais facilmente qualquer conteúdo”
– Claudio Naranjo

“A educação atual produz zumbis”
– Claudio Naranjo

A DIDÁTICA DO AFETO

O psiquiatra chileno diz que investir numa didática afetiva é a saída para estimular o autoconhecimento dos alunos e formar seres autônomos e saudáveis.

O psiquiatra chileno Claudio Naranjo tem um currículo invejável. Formou-se em medicina na Universidade do Chile, especializou-se em psiquiatria em Harvard e virou pesquisador e professor da Universidade de Berkeley, ambas nos EUA. Desenvolveu teorias importantes sobre tipos de personalidade e comportamentos sociais. Trabalhou ao lado de renomados pesquisadores, como os americanos David McClelland e Frank Barron. Publicou 19 títulos. Sua trajetória pode ser classificada como irrepreensível pelo mais ortodoxo dos avaliadores. Ele é, inclusive, um dos indicados ao Nobel da Paz deste ano. É comum, no entanto, que Naranjo seja chamado, em tom pejorativo, de esotérico e bicho grilo. Há mais de três décadas, ele e a fundação que leva seu nome pregam que os educadores devem ser mais amorosos, afetivos e acolhedores. Ele defende que essa é a forma mais eficaz de ajudar todos os alunos – não só os melhores – a efetivamente aprender “e assim mudar o mundo”, como ele diz.

Claudio Naranjo entrevista concedida à Flávia Yuri Oshima/Revista Época*

O senhor é psiquiatra e desenvolveu teorias importantes em estudos de personalidade. Hoje trabalha exclusivamente com educação. Por que resolveu se dedicar a esse tema?

Meu interesse se voltou para a educação porque me interesso pelo estado do mundo. Se queremos mudar o mundo, temos de investir em educação. Não mudaremos a economia, porque ela representa o poder que quer manter tudo como está. Não mudaremos o mundo militar. Também não mudaremos o mundo por meio da diplomacia, como querem as Nações Unidas – sem êxito. Para ter um mundo melhor, temos de mudar a consciência humana. Por isso me interesso pela educação. É mais fácil mudar a consciência dos mais jovens.

Quais os problemas do modelo educacional atual na opinião do senhor?

Temos um sistema que instrui e usa de forma fraudulenta a palavra educação para designar o que é apenas a transmissão de informações. É um programa que rouba a infância e a juventude das pessoas, ocupando-as com um conteúdo pesado, transmitido de maneira catedrática e inadequada. O aluno passa horas ouvindo, inerte, como funciona o intestino de um animal, como é a flora num local distante e os nomes dos afluentes de um grande rio. É uma aberração ocupar todo o tempo da criança com informações tão distantes dela, enquanto há tanto conteúdo dentro dela que pode ser usado para que ela se desenvolva. Como esse monte de informações pode ser mais importante que o autoconhecimento de cada um? O nome educação é usado para designar algo que se aproxima de uma lavagem cerebral. É um sistema que quer um rebanho para robotizar. A criança é preparada, por anos, para funcionar num sistema alienante, e não para desenvolver suas potencialidades intelectuais, amorosas, naturais e espontâneas.


Como é possível mudar esse modelo?

Podemos conceber uma educação para a consciência, para o desenvolvimento da mente. Na fundação, criamos um método para a formação de educadores baseado em mais de 40 anos de pesquisas. O objetivo é preparar os professores para que eles se aproximem dos alunos de forma mais afetiva e amorosa, para que sejam capazes de conduzir as crianças ao desenvolvimento do autoconhecimento, respeitando suas características pessoais. Comprovamos por meio de pesquisas que esse é o caminho para formar pessoas mais benévolas, solidárias e compassivas. Hoje a educação é despótica e repressiva. É como se educar fosse dizer faça isso e faça aquilo. O treinamento que criamos está entre os programas reconhecidos pelo Fórum Mundial da Educação, do qual faço parte. Já estive com ministros da Educação de dezenas de países para divulgar a importância dessa abordagem.

E qual foi a recepção?

A palavra amor não tem muita aceitação no mundo da educação. Na poesia, talvez. Na religião, talvez. Mas não na educação. O tema inteligência emocional é um pouco mais disseminado. É usado para que os jovens tomem consciência de suas emoções. É bom que exista para começar, mas não tem um impacto transformador. A inteligência emocional é aceita porque tem o nome inteligência no meio. Tudo o que é intelectual interessa. Não se dá importância ao emocional. Esse aspecto é tratado com preconceito. É um absurdo, porque, quando implementamos uma didática afetuosa, o aluno aprende mais facilmente qualquer conteúdo. Os ministros da Educação me recebem muito bem. Eles concordam com meu ponto de vista, mas na prática não fazem nada. Pode ser que isso ocorra por causa da própria inércia do sistema. O ministro é como um visitante que passa pelos ministérios e consegue apenas resolver o que é urgente. Ele mesmo não estabelece prioridades. […]


Para quem decidiu ser professor, não seria natural sentir amor, compaixão e vontade de cuidar do aluno?

Uma vez dei uma aula a um grupo de estudantes de pedagogia na Universidade de Brasília. Fiquei muito decepcionado com a falta de interesse. Vendo minha expressão, o coordenador me disse: “Compreenda que eles não escolheram ser educadores. Alguns prefeririam ser motorista de táxi, mas decidiram educar porque ganham um pouco mais e têm um pouco mais de segurança. Estão aqui porque não tiveram condições de se preparar para ser advogados ou engenheiros ou outra profissão que almejassem”. Isso acontece muito em locais em que a educação não é realmente valorizada. Quem chega à escola de educação são os que têm menos talento e menos competência. Não se pode esperar que tenham a vocação pedagógica, de transmitir valores, cuidar e acolher.

O senhor diz que o sistema de educação atual desperdiça talentos, rotulando-os com transtornos e distúrbios. Pode explicar melhor esse ponto?

Humberto Maturana, cientista chileno, me contou que a membrana celular não deixa entrar aquilo que ela não precisa. A célula tem um modelo em seus genes e sabe o que necessita para construir-se. Um eletrólito que não lhe servirá não será absorvido. Podemos usar essa metáfora para a educação. As perturbações da educação são uma resposta sã a uma educação insana. As crianças são tachadas como doentes com distúrbios de atenção e de aprendizado, mas em muitos casos trata-se de uma negação sã da mente da criança de não querer aprender o irrelevante. Nossos estudantes não querem que lhe metam coisas na cabeça. O papel do educador é levá-lo a descobrir, refletir, debater e constatar. Para isso, é essencial estimular o autoconhecimento, respeitando as características de cada um. Tudo é mais efetivo quando a criança entende o que faz mais sentido para ela.


Por que a educação caminhou para esse modelo?

Isso surgiu no começo da era industrial, como parte da necessidade de formar uma força de trabalho obediente. Foi uma traição ao ideal do pai do capitalismo, Adam Smith, que escreveu A riqueza das nações. Ele era professor de filosofia moral e se interessava muito pelo ser humano. Previu que o sistema criaria uma classe de pessoas dedicadas todos os dias a fazer só um movimento de trabalho, a classe de trabalhadores. Previu que essa repetição produziria a deterioração de suas mentes e advertiu que seria vital dar a eles uma educação que lhes permitisse se desenvolver, como uma forma de evitar a maquinização completa dessas pessoas. Sua mensagem foi ignorada. Desde então, a educação funciona como um grande sistema de seleção empresarial. É usada para que o estudante passe em exames, consiga boas notas, títulos e bons empregos. É uma distorção do papel essencial que a educação deveria ter.

Há algo que os pais possam fazer?

Muitos pais só querem que seus filhos sigam bem na escola e ganhem dinheiro. Acho que os pais podem começar a refletir sobre o fato de que a educação não pode se ocupar só do intelecto, mas deve formar pessoas mais solidárias, sensíveis ao outro, com o lado materno da natureza menos eclipsado pelo aspecto paterno violento e exigente. A Unesco define educar como ensinar a criança a ser. As Constituições dos países, em geral, asseguram a liberdade de expressão aos adultos, mas não falam das crianças. São elas que mais necessitam dessa liberdade para se desenvolver como pessoas sãs, capazes de saber o que sentem e de se expressar. Se os pais se derem conta disso, teremos uma grande ajuda. Eles têm muito poder de mudança.


Originalmente publicado pela*Revista Época

“A crise que estamos enfrentando não é apenas econômica, mas multifacetada e universal, e pode ser um sinal da obsolescência do conjunto de valores, instituições e hábitos interpessoais que chamamos ‘civilização’. Precisamos de uma mudança da consciência e o melhor caminho é a transformação da educação, por meio de uma nova formação de educadores – orientada não só para a transmissão de informações, mas para o desenvolvimento de competências existenciais”
– Claudio Naranjo, no livro “A revolução que esperávamos”. [tradução ?]. Brasília: Verbena Editora, 2015.

“A verdadeira crise é uma crise de relações humanas, a crise de um mal antigo das relações humanas, uma incapacidade de fraternais, de verdadeira relações amorosas, um mal antigo que agora se tornou crise porque se tornou insustentável. É, pois uma crise de amor e o que fracassa é um modelo de sociedade, o modelo patriarcal.”
– Claudio Naranjo, no livro “A revolução que esperávamos”. [tradução ?]. Brasília: Verbena Editora, 2015.

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

A didática do afeto: o amor como forma de ensinar


A didática do afeto: o amor como forma de ensinar


Esse tema é diferenciado e pode ser introduzido no currículo escolar das nossas escolas públicas e privadas. E para refletir sobre isso – utilizo as ideias – de quatro teóricos da educação, que nos fornecem o conhecimento para aprender a didática do afeto, ou seja, o amor como jeito de ensinar.

O psiquiatra chileno, Cláudio Naranjo, destaca que quando há amor na forma de ensinar, o aluno aprende mais facilmente qualquer conteúdo. Segundo Naranjo investir numa didática afetiva é a saída para estimular o autoconhecimento dos alunos, sobretudo, de crianças e adolescentes, formando seres autônomos e saudáveis.

Nessa perspectiva, o papel do educador é levar o aluno a descobrir, refletir, debater e constatar. Para isso, é essencial estimular o conhecimento de si mesmo, respeitando as características de cada um. Tudo é mais efetivo quando a criança entende o que faz mais sentido para ela.


No ponto de vista didático, os nossos educadores devem ser mais amorosos, afetivos e acolhedores, como um modo mais eficaz de ajudar – todos os alunos – não só os melhores a realmente aprender e assim mudar o mundo.

Nesse contexto, lembra Naranjo, precisamos de uma mudança da consciência e o melhor caminho é a transformação da educação, por meio de uma nova formação de educadores orientada não só para a transmissão de informações, mas para o desenvolvimento de competências existenciais.

O psicanalista, americano, Erich Fromm, afirma que a resposta madura para o problema da existência é o amor. Sendo assim, o amor pode ser ensinado nas escolas, de maneira maturada e consciente, pois o amor é acima de tudo a preocupação ativa pela vida. É o cuidado de promover o crescimento daqueles que amamos.

Na visão de Fromm, a escola pode ser transformada em um local adequado para ensinar o amor, na mesma medida que se estuda música, pintura, carpintaria, escrita ou arquitetura. Aprender amar requer prática, maestria e uma ação contínua, pelo qual o esforço e o bom trabalho não deixam nada ao acaso ou à sua sorte.


O neurocientista, português, António Damásio, alerta que é necessário educar massivamente as pessoas para que aceitem os outros, porque se não houver educação massiva, os seres humanos vão matar-se uns aos outros. Damásio avalia que a vida emocional e sentimental são provocadora da nossa cultura, de conflito ou de cooperação, que é a base fundamental e estrutural de vida.

Na mesma linha de pensamento o filósofo, francês, Edgar Morin, constata que a verdadeira crise é uma crise de relações humanas, uma incapacidade de constituir verdadeiras relações afetivas, um mal antigo, que se tornou uma crise insustentável.

Portanto, com base nesse conhecimento, podemos concluir que a escola é o melhor ambiente para desconstruir a cultura do “desamor”, onde a didática do afeto pode ensinar amar, como método de conhecermos a nós mesmos e para conhecermos os outros.

*Originalmente publicado em Resiliência Mag.

Ensinar é muito mais que transmitir conhecimento, é transmitir AMOR

Ensinar é muito mais que transmitir conhecimento, é transmitir AMOR

por Prof. Marcos L Souza | SóEscola*

Todos sabemos que é uma das profissões mais nobres da face da terra, não desmerecendo outros ofícios é claro e o fato de estarmos educadores acarreta-nos responsabilidades maiores e muito mais humanas que podemos imaginar. Existe uma frase muito conhecida que diz “A escola é a segunda casa”, acredito que todos já ouvimos falar sobre esta citação, mas se pararmos para pensar um pouco em o que na verdade esta simples citação quer transmitir, vai muito mais além do que transformar a escola em um ambiente saudável e protegido. A criança sempre necessitará de afeto, carinho, apoio, proteção e amor e o professor em muitas ocasiões, transmite estes sentimentos tão especiais, passando da imagem de um simples adulto, para uma figura de confiança em que elas , na maioria das vezes irão desesperadas implorar por afeto, por um abraço, por atenção.

A criança com idade entre (2 e 7) anos, ainda não sabe distinguir tais sentimentos e as vezes não sabe como expressa-los, em muitos casos fazem o máximo para chamar a atenção para si, implorando para que a vejam, implorando para se sentirem amadas e em alguns casos estas manifestações podem ser confundidas com algum transtorno.

Um abraço, um sorriso, um elogio, fazem toda a diferença na vida dos pequeninos em formação educacional e é dever do educador transformar a segunda casa, em um lugar onde as crianças se sintam confiantes e amadas, mesmo que seja um hábito ir à escola regularmente, talvez possamos mostrar a elas, que a segunda casa é mais que um local de rotina a frequentar, que a segunda casa seja o lugar onde as mesmas além de aprender com sabor, também transmitam a sensação de saudade nos corações encantados pelo aprendizado. Existem crianças que passaram a maior parte de sua infância com seus educadores, ficam a maior parte do dia com os mesmos e isto sem sombra de dúvidas, irá criar um vínculo por toda a vida.

Os maiores mitos sobre o cérebro dos adolescentes

Nas últimas duas décadas, os cientistas conseguiram mapear as mudanças neurais verificadas ao longo desse período central do desenvolvimento...