terça-feira, 28 de junho de 2022

Socioeducação e direito à fabulação: Dos sentidos sociais do rap




Socio-Education and the Right to Fabulation: The Social Senses of Rap

Patrícia da Silva SantosNelissa Peralta

RESUMO

Este artigo apresenta a experiência de um projeto de extensão promovido junto a adolescentes privados de liberdade. O projeto consistiu na promoção de oficinas de rap como auxílio às medidas socioeducativas. A partir da análise das letras produzidas durante essas oficinas, buscamos compreender o seu teor social, mobilizando estratégias da sociologia da literatura e ressaltando a relação entre desigualdade social e cerceamento do imaginário, o nexo entre instituições totais e mutilação do eu e a contribuição da fabulação por meio do rap para o restabelecimento do espaço simbólico necessário para restituir o direito ao imaginário.

Palavras-chave:
socioeducação; direito à fabulação; desigualdade social; rap; imaginário

ABSTRACT

Socio-Education and the Right to Fabulation: The Social Senses of Rap presents an analysis of the experiences of an outreach project developed with adolescents sentenced by the state with deprivation of liberty. The project carried out pedagogical workshops using rap to provide support to correctional measures. Mobilizing strategies from the sociology of literature, we analyzed lyrics produced by adolescents during these workshops to understand their social content. Results highlight the relationship between social inequality and the restriction of imaginary, the nexus between total institutions and the mutilation of the self, the contribution of fabulation through rap to the reestablishment of the symbolic space necessary to restore the right to the imaginary.

Keywords:
correctional measures; right to fabulation; social inequality; rap; imagery

Introdução



Eu cato papel, mas não gosto. Então eu penso:



faz de conta que estou sonhando.



- Carolina Maria de Jesus

O rap tem sido apontado como uma manifestação cultural socialmente territorializada, enraizada no imaginário das periferias urbanas (GIMENO, 2009; SANTOS, 2017). De uma perspectiva geral, sua principal função como fenômeno estético está em internalizar e expor, em um código específico, mensagens que incorporam o elemento externo ou social inerente a determinados grupos sociais - nos termos da análise estética de Antonio Candido (2009). Essas duas características - vinculação territorial à periferia e função estética - tornam o rap, especialmente no caso da juventude periférica, um mecanismo poderoso de restituição de um dos direitos mais fundamentais para a garantia da “integridade espiritual” dos seres humanos, qual seja: o direito à fabulação (CANDIDO, 2004a). Essas prerrogativas básicas guiaram a atividade de extensão desenvolvida em uma unidade de atendimento socioeducativo no estado do Pará para adolescentes do sexo masculino e que serve de base empírica para o presente artigo. Tomando como referencial essa experiência, este texto apresenta uma discussão acerca de categorias como criminalização da juventude periférica, socioeducação e direito à fabulação.

O projeto de extensão1 em pauta nasceu com o objetivo de estabelecer um diálogo entre a universidade e a rede de socioatendimento e promover uma reflexão sobre as condições sociais que produzem atos desviantes e a respectiva criminalização social entre os grupos. Como ferramentas de diálogo entre os grupos público-alvo do projeto, realizamos oficinas de hip-hop com os adolescentes em conflito com a lei. O projeto teve início em março de 2018, envolvendo duas professoras e dois discentes do curso de ciências sociais da Universidade Federal do Pará (UFPA) e dois artistas da cena de hip-hop. Esses artistas são rappers que moram na periferia de Belém e têm histórico de períodos vividos em privação de liberdade.

Esse último ponto é relevante, pois é justamente essa experiência anterior dos rappers que garante uma empatia maior em relação aos adolescentes cumprindo medida socioeducativa de restrição da liberdade. Bourdieu (2011) argumenta que a compreensão implica a capacidade de um pesquisador pensar que se estivesse no lugar do sujeito que é seu objeto de estudo, “ele seria e pensaria, sem dúvida, como ele” (p. 713). Transpondo essa reflexão para a posição dos rappers em relação aos adolescentes, é possível notar que as suas trajetórias anteriores os dotam dessa capacidade.
Projeto de extensão ‘Imaginação sociológica junto a adolescentes privados de liberdade’

O projeto de extensão2 em questão foi pautado na visão de Paulo Freire (2013), que trata a extensão como um processo de “comunicação”, não de “transmissão”. O projeto baseia-se na premissa de que a universidade pública precisa estabelecer pontes e redes de diálogo para contribuir para o debate sobre as medidas socioeducativas, cumprindo seu papel de suscitar reflexão acadêmica sobre as políticas sociais. Escolhemos o título “Imaginação sociológica junto a adolescentes privados de liberdade” a partir do trabalho de Charles Wright Mills (1980), que define imaginação sociológica como



uma qualidade de espírito que ajuda a usar a informação e a desenvolver a razão, a fim de perceber, com lucidez, o que está ocorrendo no mundo e o que pode estar acontecendo dentro deles mesmo (...) cujo fruto é a ideia de que o indivíduo só pode compreender sua própria experiência e avaliar seu próprio destino localizando-se dentro de seu período; só pode conhecer suas possibilidades na vida tomando-se cônscio das possibilidades de todas as pessoas, nas mesmas circunstâncias em que ele (Ibid., pp. 11-12).

Munidas dessa expectativa de que “a imaginação sociológica nos permite compreender a história e a biografia e as relações entre ambas dentro da sociedade” (Ibid., p. 12) e de que, por meio dela, os socioeducandos poderiam perceber o que está acontecendo no mundo e compreender o que está acontecendo com eles, usamos o hip-hop como dispositivo pedagógico para desenvolvê-la.

Pautadas nessas premissas, iniciamos o projeto estabelecendo um diálogo com o Juizado da Infância e Juventude do município de Ananindeua. Após inúmeras visitas técnicas, conseguimos a permissão para entrar em uma unidade de atendimento socioeducativo daquele município, em princípio para observar e conhecer melhor a realidade da socioeducação. Essa primeira experiência de aproximação demonstrou que à época, em 2018, o sistema socioeducativo oficialmente passava por uma transformação de paradigma, movendo-se de um sistema punitivo para uma visão da medida socioeducativa como uma ação pedagógica.

Entretanto, essa transformação depende muito das práticas dos profissionais da rede de socioatendimento. Como nos relatou uma interlocutora técnica da rede: “Ainda é muito difícil garantir os direitos de quem viola direitos”. Para a técnica, os adolescentes são estigmatizados pela sociedade - que “não consegue olhar para além do ato” e clama por mais medidas punitivas, mas também prefere se distanciar das unidades de socioatendimento, optando por “afastar os indesejáveis” para fora do seu campo de visão. Os próprios servidores se sentem estigmatizados pela sociedade por trabalharem com adolescentes considerados indesejáveis.

Agentes da rede, principalmente aqueles cuja formação não está voltada para o entendimento das estruturas sociais, também estigmatizam os adolescentes em conflito com a lei. Um entrave ainda presente, mencionado por muitos servidores, é o fato de o ambiente do socioatendimento ainda ser embrutecido e a medida ainda ser vista como punitiva por muitos funcionários da rede, seja no Ministério Público, nos juizados ou na rede de execução das medidas. Isso pode ser resultado da estrita culpabilização do indivíduo pelo ato, enxergando o ato infracional como uma falha moral que deve ser punida e tratada por meio da internação.

Além disso, ao concentrar o atendimento no indivíduo, e não nas condições sociais, o Estado acaba por diminuir sua responsabilidade de transformar essas condições, que afetam a vida do adolescente, e de investir em suas potencialidades. Ou seja, romper com a cultura do cárcere enraizada na sociedade e em grande parte dos operadores de direito, conforme prevê o Plano Decenal de Atendimento Socioeducativo do Estado do Pará (GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ e FASEPA, 2013), ainda é uma meta a ser atingida. Mas existem avanços na rede, como a presença de uma escola dentro da unidade e de um centro de cultura e lazer anexo. Os adolescentes que não podem deixar as dependências da unidade (por medida protetiva à sua própria segurança) podem realizar atividades culturais, de esporte e lazer.

Após seis meses de tratativas com as organizações da rede de socioatendimento, demos início à execução do projeto. O planejamento das atividades contou com a participação de dois bolsistas de extensão, graduandos do curso de ciências sociais da UFPA. Um deles atuava no movimento cultural hip-hop promovendo batalhas de rap no campus do Guamá da universidade. A ocupação cultural Batalha da Beira era promovida por jovens universitários e artistas locais, com a participação de MCs3 da comunidade belenense no espaço comum às margens do rio Guamá. A experiência derivada dessa ocupação cultural e os estudos que sugerem que o hip-hop pode ser uma ferramenta poderosa para envolver os jovens em processos educativos, para compreender as realidades dos educandos e desenvolver vínculos (TOMASELLO, 2006; KIM e PULIDO, 2015), nos incentivaram a usar o hip-hop como ferramenta educativa. Por meio do envolvimento desses artistas ligados à cena hip-hop de Belém, realizamos primeiramente as oficinas de grafite e, por fim, nos concentramos nas oficinas de rap.

A cultura hip-hop tem sido construída e usada por grupos oprimidos e marginalizados para resistir e desafiar as ideologias, práticas e estruturas de opressão e subordinação (TOMASELLO, 2006, p. 59). Esses grupos usam os elementos do hip-hop para visibilizar e denunciar a desigualdade social e as barreiras econômicas, sociais e políticas que impedem acesso a recursos para o desenvolvimento social de suas comunidades. O hip-hop consiste em modos criativos de compartilhamento dessas visões de mundo e de sociedade. Sua cultura reúne os quatro elementos principais dessas expressões artísticas: break, grafite, dj-ing e rap (LAND e STOVALL, 2009).

O rap chega ao Brasil no final dos anos 1980, com seus principais expoentes denunciando a precariedade da vida nas periferias, a violência policial e a criminalidade (VIEIRA, HIPOLITO e VIEIRA, 2020). Segundo Tomasello (2006), com o rap, jovens narram suas experiências de vida e o cotidiano de suas comunidades, provocando processo de empatia, identificação e pertencimento entre aqueles que compartilham essa mesma realidade: negação de direitos, exclusão social e econômica, preconceito racial. Pautando-nos nessa experiência do autor, que indica que no caso de jovens em contexto de exclusão e marginalidade faz-se necessário utilizar sua linguagem para estabelecer diálogo e acesso a seu universo particular, decidimos realizar as oficinas de hip-hop com os adolescentes privados de liberdade.

O formato de oficina foi escolhido com base no entendimento de que ela é uma prática de intervenção centrada em uma questão que o grupo se propõe a elaborar, em um determinado contexto social. Busca-se nesse tipo de intervenção três níveis de experiência: pensar, sentir e agir (AFONSO, 2006). Essa estratégia didática nos permitiu aprender com o encontro com os outros. Os objetivos das oficinas eram promover uma reflexão coletiva sobre as trajetórias dos sujeitos e novas formas de expressão do “eu” (PERALTA, 2019) por meio do rap e desenvolver práticas de criação e expressão artística. As oficinas tornaram-se um dispositivo pedagógico para incentivar o protagonismo da juventude em privação de liberdade, atuar na autoestima e autonomia dos adolescentes e promover ações de formação política e cultural para a juventude por meio da apropriação de elementos da cultura hip-hop.

As oficinas costumam durar entre três e quatro horas e, em média, a direção da unidade de socioeducação permite a participação de quatro ou cinco adolescentes. Na prática, elas se iniciam com uma roda de conversa sobre o movimento hip-hop. Para quebra do gelo e aproximação inicial dos socioeducandos, os artistas apresentam suas composições originais, bem como videoclipes de seus trabalhos musicais. Muitas vezes, há também apresentação de documentários, entrevistas e exibição de videoclipes de rappers famosos nacionalmente, como Djonga, Mano Brown, Criolo e Eduardo, que se destacam por tratar de temas importantes como desigualdade, relações raciais e violência. Mas esses rappers também são representantes de “um tipo de discurso recortado por referências da cultura negra, cultura africana e da leitura intelectualizada do processo diaspórico que confronta a memória oficial e hegemônica sobre relações raciais” (VIEIRA, HIPOLITO e VIEIRA, 2020, p. 117).

Em seguida, dá-se a escolha de um tema gerador para a criação da rima. Em alguns casos, a escolha do tema é gerada por acontecimentos que impactam o imaginário dos socioeducandos, como foi o caso de uma chacina ocorrida no bairro do Guamá, em Belém, em maio de 2019. Outros temas geradores escolhidos foram: a juventude, profissões, futuro, família e racismo. Em seguida, os mediadores se dividem entre os adolescentes, formando duplas para ajudá-los na elaboração dos versos. Depois de todos produzirem seus versos, eles são integrados em uma só letra de rap. Então, os artistas ensaiam as técnicas de rima com os beats (as batidas), musicalizando os raps selecionados. Depois de algumas práticas, o grupo todo canta o rap em conjunto e essa apresentação é gravada em vídeo e depois reproduzida na televisão.

A gravação do rap em vídeo é sempre o ponto alto da oficina, quando os socioeducandos performam para a câmera e expressam sua mensagem por meio dos movimentos do corpo, por vezes tentando imitar as posturas e gestualidade dos artistas. Ao assistirem a si próprios nas telas, os adolescentes mostram-se contentes e até surpresos. Recebem elogios e dicas dos artistas e, eventualmente, dos próprios monitores, que, ao buscá-los para retornarem aos quartos-cela, também assistem ao videoclipe dos socioeducandos. Consideramos esse momento importante porque, como discutiremos a seguir, provoca uma forma de resistir ao processo de “mortificação do eu” (GOFFMAN, 2015, p. 24), vislumbrando outra representação de si, diferente daquela pré-construída e associada a eles na instituição.

Neste texto, reproduzimos trechos de algumas das letras desenvolvidas nas oficinas e as analisamos a partir de uma metodologia inerente à sociologia da literatura, buscando compreender o seu teor social com base em uma interpretação formal (CANDIDO, 2009; ADORNO, 2003) e seu potencial como forma de exercício do direito à fabulação (CANDIDO, 2004a). A argumentação recorrerá aos seguintes aspectos: a relação entre desigualdade social e cerceamento do imaginário; a leitura das unidades de socioatendimento como instituições totais e suas consequências para os adolescentes; e a contribuição que a fabulação por meio do rap pode dar para o restabelecimento do “equilíbrio social” (Ibid., p. 175)4. Nesse sentido, as letras produzidas durante as oficinas serão interpretadas como manifestações artísticas simbólicas portadoras de notícias sobre o social. Não se trata exatamente de uma análise do discurso, pois o filtro estético do rap também será considerado na análise. Antes, buscaremos compreender como a fabulação praticada nas oficinas reduz estruturalmente (Idem, 2004b) as experiências dos adolescentes, conformando-as em narrativas simbólicas, significativas também do ponto de vista sociológico.

Pretendemos expor alguns resultados dessa experiência sob a perspectiva de que as medidas socioeducativas só poderão cumprir seu objetivo se incorporarem uma justiça capaz de restituir o direito ao imaginário, dado que é nesse âmbito que é possível conceber a possibilidade de uma trajetória distante da criminalidade - ainda que, obviamente, essa justiça intangível só seja factível se for complementar a tantas outras justiças sociais de cunho mais material.
Desigualdade social e prisão do imaginário

A desigualdade social tem aspectos muito evidentes de injustiças e criação de assimetrias sociais: falta de bens materiais, de condições adequadas de moradia, transporte, saneamento, educação, saúde, cultura, segurança pública e outros. No caso brasileiro, essas desigualdades de cunho material estão atravessadas fatidicamente pelas desigualdades raciais5. De todo modo, é preciso pensar a desigualdade também sob perspectivas menos concretas, materiais e estruturais. Há um impacto um tanto intangível no âmbito das assimetrias sociais, que consiste em sofrimentos subjetivos menos evidenciáveis quantitativamente. Vergonha, solidão, desamor, estigmas, rotulações negativas e humilhação são expressões do sofrimento social (CARRETEIRO, 2003). Trata-se de sentimentos que se intensificam quando os mecanismos psíquicos para os elaborar estão também parcialmente cerceados. Grosso modo, esses mecanismos passam necessariamente pela simbolização, conforme concebido tanto por teóricos ligados à psicanálise como por algumas vertentes da teoria social (FREUD, 1914; ADORNO, 1995) - daí a importância do imaginário.

Quando analisamos as trajetórias de adolescentes privados de liberdade, fica evidente que as inúmeras formas de exclusão social às quais estão sujeitos têm uma consequência nem sempre ressaltada: eles não apenas estão sujeitos ao sofrimento social intensificado pelas estruturas sociais desiguais, como ainda são afetados por uma prisão nada concreta, mas extremamente limitadora: a prisão do imaginário.

Entendemos por imaginário o conjunto de memórias, representações e referenciais simbólicos que conformam as identidades subjetivas, que configuram uma “imagem de si, para si e para os outros” (POLLAK, 1992, p. 5). Quando as memórias repousam em experiências de privação, violência, preconceito e déficit de afetividade, o arsenal simbólico ou o imaginário de que os sujeitos dispõem para lidar com o mundo e outros indivíduos também é afetado, constituindo o que Goffman (2017) chama de “identidade deteriorada”.

A prisão do imaginário dos adolescentes privados de liberdade tem múltiplas grades, a começar pelo fato de muitos não saberem ler e escrever ou terem muita dificuldade para fazê-lo. A ausência ou precariedade da educação formal tem consequências muito deletérias em uma sociedade em que o imaginário está amplamente repousado na palavra escrita e no discurso linguisticamente bem formulado. O histórico de exclusão escolar precoce é elemento extremamente cerceador e bastante comum entre as narrativas dos sujeitos desta pesquisa. Entre os socioeducandos com quem trabalhamos, todos chegaram à unidade sem o ensino fundamental completo e, aos 17 anos, uma parte nem era alfabetizada. Em algumas narrativas, a escola ocupa o lugar da violência, do estigma e da humilhação. Em linguagem simples e direta, um adolescente formulou o caráter classista da educação brasileira no trecho de uma letra de rap concebido durante as oficinas: “Muita educação/Só pra família de patrão”.

Além disso, os problemas apontados em relação à formação subjetiva dos adolescentes ao longo de suas histórias também se apresentam quando eles se projetam no futuro. Por isso, o imaginário relativo ao projeto de vida também é bastante excludente. Conforme argumenta Gilberto Velho (2003), os indivíduos valem-se de memórias passadas para conceber projetos futuros, de acordo com o campo de possibilidades disponível. Assim, ainda conforme o autor, o potencial de metamorfose, ou seja, as possibilidades de alteração de projetos individuais ao longo da vida, depende não só de aspectos individuais, mas de uma negociação com a realidade.

No caso dos adolescentes privados de liberdade, essas possibilidades estão prejudicadas, tanto por conta das difíceis experiências subjetivas passadas, como em razão de contingências mais objetivas. Muitas vezes, a única alternativa é a formação do que Alba Zaluar (2014, p. 33) chamou de “etos guerreiro”, ou seja, uma masculinidade baseada na violência, incluindo a criminalidade como principal meio para obtenção de bens materiais e mesmo de certo prestígio no âmbito dos grupos de pertencimento. O desvio que levou tais adolescentes à prisão deve ser compreendido no âmbito desse cerceamento de alternativas.Mulher e filho em casa O que é que o cara pensa? Dinheiro fácil, favelado liso É armadilha do sistema Só Deus sabe quanto suor Derramei nessa estrada Quantas vezes eu não dormi Estudando à noite (...) É estranho lembrar que um Tempo atrás minha vida era Estilo homem na estrada Diziam que estudar Era pra rico E que meu sonho de doutor Ia dar em nada6

Resta impedida a possibilidade de ser de outra forma, de projetar o futuro, de imaginar outra existência, sonhar e, não menos importante, elaborar os sofrimentos e os compreender a partir dos seus determinantes sociais. O estigma decorrente do desvio imprime nos adolescentes uma marcação que está, como sugere Goffman (2017), entre o atributo e o estereótipo, e que tem o poder de reduzir “suas chances de vida” (p. 15). Do ponto de vista do que chamamos aqui de imaginário, em alguma medida, resta constrangido aquele processo de humanização que



confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor (CANDIDO, 2004a, p. 180).

Para a realização desse processo de humanização e dos mecanismos de compreensão de seus aspectos sociais, o imaginário também é fundamental, pois é ele que oferece as ferramentas para estabelecer as conexões entre a biografia individual e a situação estrutural de desigualdades da sociedade (WRIGHT MILLS, 1980). E como bem formularam os adolescentes, narrar é parte indissociável de qualquer “recomeço”:Nem que seja só por hoje Tô narrando o recomeço E não o meu final Quero os jovens se formando Cansei de ver corpos no canal Você acha que é livre Mas o sistema te prende Não dá nem pra desconfiar Aí você se fode Tenta arrumar emprego E de novo, preso Morando no gueto Refém do medo, sem oportunidade Vendo seu filho roubar E o do patrão na universidade7
Unidades de atendimento socioeducativo como instituições totais

O encarceramento tem sido a forma mais adotada pelo Estado para lidar com a pobreza e a miséria, como constata Wacquant (2011). O caso específico do Pará não é diferente. Um estudo (SOUZA, 2019) mostrou um aumento de 56% nas medidas de internação de adolescentes em conflito com a lei entre 2013 e 2017 no estado, com um crescimento médio anual de 12%. A lógica repressiva na aplicação demasiada da internação como medida socioeducativa pode estar associada a um ponto de vista que assenta sobre o indivíduo adolescente a inteira culpabilidade por seus atos infracionais, mas não minimiza nem atribui responsabilidade ao tipo de socialização ou à vulnerabilidade que produz as condições para o delito.

A forma como o Estado se apresenta nas periferias da cidade aparece muito bem expressa no trecho formulado por um adolescente durante as oficinas:Se eu não mudar Só haverá Túmulo, sangue, sirene e perícia.8

É em todo seu potencial de violência que o Estado costuma ser reconhecido pelos adolescentes, portanto, em sua faceta de necropolítica (MBEMBE, 2016). As imagens evocadas no rap (túmulo, sangue, sirene, perícia) expressam, por meio de uma simplicidade lacerante, a condição de existências sujeitas a um estado permanente de guerra, à ocorrência iminente da morte.



Viver sob a ocupação contemporânea é experimentar uma condição permanente de “viver na dor”: estruturas fortificadas, postos militares e bloqueios de estradas em todo lugar; construções que trazem à tona memórias dolorosas de humilhação, interrogatórios e espancamentos; toques de recolher que aprisionam centenas de milhares de pessoas em suas casas apertadas todas as noites do anoitecer ao amanhecer; soldados patrulhando as ruas escuras, assustados pelas próprias sombras; crianças cegadas por balas de borracha; pais humilhados e espancados na frente de suas famílias (Ibid., p. 146).

De qualquer forma, a letra de rap mencionada condiciona a possibilidade de evitar o desfecho trágico de sua existência à mudança ou à ressocialização durante a medida socioeducativa.Sei que mudar Só depende de mim Apesar de quererem meu fim9

A oportunidade de mudança de conduta oferecida pelas unidades de socioeducação, porém, é limitada, pois elas consistem em instituições totais que, muitas vezes, se assemelham bastante às instituições prisionais para adultos, funcionando mais como estratégia punitiva que como medida protetiva (SCISLESKI, 2015).

Somado ao imaginário cerceado que faz parte da vida pregressa dos adolescentes condenados a cumprir medidas socioeducativa, as unidades de socioeducação, como instituições totais, não somente aprisionam o corpo desses sujeitos, mas também contribuem para o trabalho de “mutilação do eu” (GOFFMAN, 2015, p. 27). Goffman elabora esse aspecto de maneira bastante detida e pertinente para o problema em questão. Instituições totais são lugares, a exemplo de prisões, conventos e manicômios, “onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada” (Ibid., p. 11). Trata-se de “estufas” para “mudar pessoas” - “cada uma é um experimento natural sobre o que se pode fazer ao eu” (Ibid., p. 22).

O “eu” é justamente esse elemento mutilado, mortificado, deformado, desfigurado pelas instituições totais. Elas agem diretamente na identidade dos indivíduos submetidos a seus domínios, o que tem consequências bastante danosas para o imaginário. Horários e regras rígidas, espaços de confinamento, despersonalização e estigmatização são alguns dos mecanismos empregados para isso.

Foucault (2014, p. 228), ao lidar com as prisões, fala em “instituições completas” que instituem um aparelho disciplinar exaustivo, encarregado por todos os aspectos do indivíduo - por isso, é “onidisciplinar” -, sem cessar e de modo despótico. De modo análogo a Goffman (2015), embora partindo de referências epistemológicas distintas, o pensador francês classifica as prisões como reformatórios integrais que atuam diretamente sobre os corpos dos condenados.

É justamente por essas características que a instituição total materializada pela unidade de atendimento socioeducativo configura-se como um dos aspectos mais recorrentes nas letras produzidas pelos adolescentes durante as oficinas. No lugar da palavra “estufa”, entra a palavra “mofo”, para designar os quartos-celas. Trata-se de lugares insalubres, pouco ventilados e escuros. No clima amazônico, esses espaços estão ainda mais distantes do direito preconizado no item X do artigo 124 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990): “Habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade”.Vou te falar o que é o mofo É onde o filho chora e a mãe Não vê, pode crer Isso não passa na TV10

Nesse trecho, a conexão entre o “mofo”, a solidão e a invisibilidade das condições precárias desses espaços é elaborada de maneira cristalina. Não por acaso, a figura da mãe - recorrente nas letras - é evocada: ela representa o cuidado, o consolo ao qual não se tem acesso.

Em outra ocasião, a instituição total foi associada ao sofrimento subjetivo da seguinte forma:Internado aqui dentro Passando agonia11

Muitos dos versos demonstram o caráter desolador de uma instituição total para o interno. É comum ouvir dos socioeducandos palavras como “perturbador”, “pesadelo” e “agonia” para descrever suas estadias em uma unidade de socioeducação. Trata-se de um imaginário povoado de sofrimentos difíceis de traduzir em símbolos linguísticos, também porque ele precisa ser elaborado a partir de um eu que é constantemente mutilado pela forma como se organiza a instituição total, ao suprimir das pessoas objetos capazes de conceder identidade, as sujeitar ao contágio por conta de insalubridade e lhes tolher a autonomia de ação por meio da vigilância e do controle constante (GOFFMAN, 2015).Mano, nós tamos aqui nesse sofrimento Mas logo logo vai acabar esse tormento Aqui quem tá falando é mais um detento E olha aí, mano, vou te passar a visão A vida na prisão não é mole, meu irmão12

Paradoxalmente, para alguns adolescentes a internação na unidade, embora repleta de “sofrimentos” e “agonias”, representa também a garantia de sobrevivência sob a tutela do Estado. Esses adolescentes, ameaçados de morte por conta de atos infracionais, às vezes contra agentes do próprio Estado, reconhecem que fora dali não haveria possibilidade de manterem-se vivos.Teve um tempo que eu quase morri Os milícia procurando por mim13

De todo modo, mesmo essas letras carregadas de sentimentos negativos acabam servindo para nomear as sensações dos adolescentes, expor aquilo que não aparece no debate público, que “não passa na TV”. Assim, acabam servindo como um espaço de simbolização - tão necessário para a restituição mínima de um equilíbrio psíquico e social -, passo que buscaremos elaborar a seguir.
Ritmo e poesia como auxílios para reestabelecer o ‘equilíbrio social’

Tanto por conta dos aspectos mais estruturais ligados à trajetória pregressa como em função da vivência em uma instituição total, os adolescentes privados de liberdade são também fortemente privados de um direito poeticamente caracterizado por Antonio Candido (2004a) como direito à fabulação.



Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado. O sonho assegura durante o sono a presença indispensável deste universo, independente da nossa vontade. E durante a vigília, a criação ficcional ou poética, que é a mola da literatura em todos os seus níveis e modalidades, está presente em cada um de nós, analfabeto ou erudito - como anedota, causo, história em quadrinhos, noticiário policial, canção popular, moda de viola, samba carnavalesco. Ela se manifesta desde o devaneio amoroso ou econômico no ônibus até a atenção fixada na novela de televisão ou na leitura seguida de um romance.



Ora, se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a literatura concebida no sentido amplo a que me referi parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito (Ibid., pp. 174-175).

Esse universo fabulado estaria entre aqueles bens compressíveis - portanto, ao lado da alimentação, vestuário, saúde, moradia e outros - justamente porque ele é necessário para manter a “integridade espiritual” (Ibid., p. 174) dos indivíduos. Ele corresponderia a necessidades que, se não satisfeitas, provocam “desorganização pessoal” ou “frustração mutiladora” (Idem). Antonio Candido elabora especificamente a questão da literatura, mas naquele sentido amplo, presente na citação. Ele a concebe como uma “necessidade universal” (Ibid., p. 186) e é enfático ao afirmar que “assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura” (Ibid., p. 175).

As oficinas de rap promovidas durante o projeto foram pensadas amplamente em conformidade com essa perspectiva. Não diretamente como uma forma de educação formal, mas como uma maneira de tornar acessível o universo fabulado a adolescentes que, muitas vezes, sequer dominam a palavra escrita. Porém, a palavra cantada aparece como uma forma de empoderamento, de restituição da capacidade de se expressar e como ferramenta de elaboração dos estigmas que provocam vergonha, ódio de si e autodepreciação (GOFFMANN, 2017). Por meio do rap, os jovens narram suas experiências de vida e o cotidiano violento e excludente de suas comunidades, gerando, a partir dessa expressão cultural, processo de empatia, identificação e pertencimento entre sujeitos que compartilham uma mesma realidade de negação de direitos, exclusão social e econômica, preconceito (TOMASELLO, 2006). É muito comum que o reconhecimento desse processo apareça nas letras formuladas:Papel e caneta me tiram do mofo Onde acabam os Sonhos do poeta morto Papel e caneta me tiram do mofo Prenderam o meu corpo E não a minha mente O sistema só te usa E te envolve no jogo O papo é se fortalecer E caminhar pra frente14

O “poeta morto” revigora-se por meio das oficinas. “Papel e caneta” aparecem como espécies de armas reversas, que, em vez de matar, ressuscitam. De maneira mais imediata, as oficinas também são geralmente vistas como essa oportunidade de sair do “mofo” - e, nesse sentido, como estratégias para driblar o caráter onipresente da instituição total (GOFFMAN, 2015). Elas são realizadas em salas limpas e refrigeradas, o que contrasta com o ambiente insalubre dos quartos-celas. Outro adolescente registra:Monitor me chama Já penso que é a liberdade que canta15

A “liberdade que canta” expressa uma associação subjetiva que o adolescente passou a fazer em torno das oficinas de rap. Ele as conecta com essa perspectiva de liberdade. É certo que se trata dessa liberdade bastante limitada, que dura poucas horas. Porém, o fato de que a imagem da liberdade apareça a ele como algo cantado já enuncia as potencialidades que a atividade oferece como espaço de elaboração dos sofrimentos sociais aos quais está sujeito.

Os adolescentes constantemente associam as oficinas justamente a essa potencialidade. O rap é lido como alimento mental - daí sua relevância como forma de manutenção mínima da “integridade espiritual” (CANDIDO, 2004a).Por enquanto continuo com o rap Buscando conhecimento Alimentando a minha mente Hip-hop me traz alforria Mesmo estando atrás das grades Caneta e papel Rima e autoestima É o que me traz a liberdade16

Porém, como forma de expressão, o rap também carrega sentidos sociais menos nobres, que expressam experiências de habitantes de territórios segregados e pautados pela ausência do Estado como ente de proteção social - embora seja inegável sua presença constante como ente de repressão (SILVA, 2014). Para Gabriel Feltran (2013), por meio do desenvolvimento do rap como uma das principais formas de expressão da juventude periférica, seria possível perceber o quanto o crime passou a ocupar as vezes do Estado nesses territórios, especialmente a partir dos anos 1970.

Nas oficinas de rap realizadas durante o projeto de extensão, há sempre a orientação para que não seja inserida nenhuma referência a organizações criminosas - orientação que vem, inclusive, dos gestores da unidade. Por outro lado, as ponderações críticas em relação ao Estado e às consequências da desigualdade social são elementos recorrentes nas letras concebidas e contribuem para uma elaboração acerca dos fatores por detrás da criminalidade. As reflexões coletivas realizadas durante as oficinas a partir das biografias dos sujeitos revelam entendimento de que são os jovens que têm mais a perder nessa guerra entre o Estado e as organizações do crime, vistos por eles como elementos do mesmo sistema. Trata-se de um sistema cujas vítimas são os adolescentes que acabam recrutados, encarcerados ou mortos.Eu paro e penso como manter Vivo o jovem no Brasil Onde era pra ter educação Distribuíram drogas e fuzil17

No exemplo, a preocupação com a maneira como se pode “manter vivo o jovem no Brasil” expressa, de maneira extremamente direta, a presença cotidiana da necropolítica entre esses jovens. Antes de educação, saúde, cultura e direitos políticos, aparece a preocupação elementar em relação a como manter a vida. Preocupação fundamentada, se olharmos as estatísticas da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) do Pará, que mostram que entre 2013 e 2017 ocorreram 1.019 homicídios de adolescentes de 13 a 17 anos na Região Metropolitana de Belém (RMB) - entre esses homicídios, 71% foram perpetrados com arma de fogo. O perfil das vítimas corresponde a adolescentes do sexo masculino (90%), predominantemente na faixa de 17 anos (46%) e com ensino fundamental incompleto (82%) (SOUZA, 2019).

A letra do rap expressa essa necessidade diária dos adolescentes de lidar com o cotidiano de violência, em que os bens distribuídos não são aqueles que aparecem na Constituição Federal como direitos básicos, como a educação, mas sim os bens mais diretamente associados à morte, como drogas e fuzis. Mais que o biopoder, que preconiza, conforme Foucault (1999), o direito de fazer viver e deixar morrer, o trecho indica a presença cotidiana do necropoder, que, conforme Mbembe (2016), expressa a simbiose entre política e morte. É muito sintomática a recorrência dessa dimensão nas letras formuladas pelos adolescentes privados de liberdade durante as oficinas. Em certo sentido, é como se o substrato de suas formulações poéticas ou de sua atividade fabuladora não pudesse renunciar à presença constante da morte em suas existências precarizadas.Ser jovem no Brasil? Paz, justiça e liberdade Não me deram educação e oportunidades Só drogas, armas e grades18

Nesse trecho, aparece novamente uma elaboração sempre muito direta e simples que, no entanto, não deixa de conter em sua forma a complexidade própria ao substrato social que a fomenta. Vale ressaltar que “paz, justiça e liberdade” é precisamente o lema da organização criminosa conhecida como Primeiro Comando da Capital (PCC) (BIONDI e MARQUES, 2010) - inadvertidamente, a referência acabou tomando lugar na letra. De qualquer forma, há nela a ideia de que ser jovem no Brasil, no imaginário desses adolescentes, está muito conectado com a possibilidade de ser recrutado por uma facção criminosa, de quem recebem “drogas” e “armas”. Do Estado, por sua vez, não se recebe “educação e oportunidades”, mas sim “grades”. Dessa forma, ocorre a negação a esses jovens do “status de parceiro integral” (FRASER, 2013, p. 176) e o consequente impedimento de que participem “como um igual na vida social” (Idem).Liberdade, justiça e paz Ordem e progresso não vemos Meninos e meninas, moças e rapazes Nem se formam homens e mulheres Cadáveres de pobres é que eles querem Um pobre inteligente não é o que eles querem19

Nessa letra, vemos novamente a presença de elementos, mencionados anteriormente, que se relacionam à necropolítica exercida sobre a vida dos pobres - necropolítica essa que tolhe inclusive a possibilidade de alcançarem a vida adulta. Também é notável no trecho a ideia de ausência de aspectos preconizados pelo Estado moderno, pois não há “ordem” nem “progresso” no âmbito da existência desses jovens. “Liberdade, justiça e paz” - novamente a ocorrência do lema do PCC - já não são ideais coletivos de uma sociedade justa, mas sim uma aproximação maior da morte em decorrência do recrutamento por uma facção criminosa.

Durante seu processo histórico de formação, o Brasil não alcançou uma figuração social capaz de conter a violência a partir de mecanismos de sociogênese e psicogênese: nem o Estado conseguiu instituir-se como detentor do monopólio da violência física - disso dependeriam as ideias de ordem e progresso -, nem se configurou um autocontrole nas estruturas de personalidade capaz de conter os impulsos de agressividade. Essas são as duas facetas do que Norbert Elias (1993) destacou como desenvolvimentos próprios ao processo civilizatório ocidental. Porém, complementando a teoria figuracional de Elias (1993), a desigualdade social é um elemento central para a compreensão desses déficits da sociedade brasileira. A última frase da letra acima - “Um pobre inteligente não é o que eles querem” - expressa justamente o paradoxo da “penalidade neoliberal”, que “pretende remediar com um ‘mais Estado’ policial e penitenciário o ‘menos Estado’ econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva” (WACQUANT, 2011, p. 9).

Para que medidas socioeducativas sejam menos parte da estratégia de exclusão de “indesejáveis” (Ibid., p. 61) e mais parte de verdadeira política de reintegração de sujeitos marginalizados ao seio da sociedade, o tipo de socialização que produz as condições para o delito, ou seja, as condições sociais de coculpabilidade (COUTINHO, 2009), também deve ser levado em consideração, tanto durante a decisão pela adoção da medida como na sua execução. Tudo isso demanda uma “imaginação sociológica”, processo descrito por Wright Mills (1980) como a compreensão das relações entre a experiência do indivíduo, as instituições sociais e seu lugar no processo histórico. Com o desenvolvimento dessa habilidade, haveria possibilidade de deslocar a atenção dos indivíduos desviantes para as condições sociais em que se encontram, e que lhes negam direitos fundamentais.

E é contra essa estrutura de negação de direitos que os adolescentes procuram insurgir por meio do exercício fabulado propiciado pelo rap. Para isso, buscam compreender aspectos da sociabilidade violenta na qual estão inseridos, tornando-se “pobre[s] inteligente[s]”.

Durante as oficinas, a promoção dessas percepções a respeito das desigualdades nas formas de distribuição e reconhecimento no Brasil é importante também para uma elaboração mais complexa por parte dos jovens a respeito do seu envolvimento com a criminalidade. Não se trata simplesmente de os isentar de responsabilidade, mas de promover a percepção de suas respectivas posições sociais, pois só uma compreensão do caráter sócio-histórico dos fenômenos pode viabilizar mudanças de conduta e buscas de alternativas para o futuro distantes do crime. Tal objetivo de promoção da reflexão complementa a luta necessária “contra a pobreza e a desigualdade (...) contra a insegurança social que, em todo lugar, impele ao crime e normatiza a economia informal de predação que alimenta a violência” (WACQUANT, 2011, p. 14). Essa compreensão também possibilita, de certa maneira, que os adolescentes sejam convencidos de que sua trajetória não é meramente decorrente de uma suposta “falha de caráter”. Desnaturalizar para si mesmo o estigma tem o potencial de fortalecer as resoluções para a construção de novos caminhos.Hoje reconheço que o crime Não é para ninguém Não vou cantar vitória Apertando o dedo Eu apertei e por isso estou aqui dentro Sei que um dia vou sair E uma nova história construir E aqui dentro comecei a pensar Que minha vida não era nesse lugar Então eu permaneço e não me esqueço Que eu mereço e reconheço Que tenho que sair desse pesadelo No meu subconsciente E ser o que eu não fui, uma pessoa diferente Então vê se entende Eu sei que pra isso eu tenho que ser inteligente Eu sei que nos meus passos eu tenho que moderar Então vê se entende20

A letra condensa toda uma biografia passada e futura, assumindo os erros que levaram o adolescente à condenação, mas também buscando projetar uma “nova história”. No cuidado um pouco mais acurado com a musicalidade, expresso por meio do emprego da sequência “Então eu permaneço e não me esqueço/Que eu mereço e reconheço”, há também esse movimento de parar, rememorar, assumir e elaborar, próprio de alguém que procura superar um grave erro - nesse caso, um homicídio. Também é notória a formulação que se refere à saída do pesadelo no seu subconsciente, como se o adolescente tivesse plena consciência da deterioração que os estigmas promovem em sua identidade subjetiva (GOFFMAN, 2017). Ao mesmo tempo, ele toma para si a responsabilidade de ser de outra forma, de “moderar” os seus passos. Por vezes, a narrativa formulada pelos adolescentes prende-se a essa autoculpabilização e a uma visão ainda muito individual em torno dos desvios cometidos. Porém, como vimos em outras letras, ocorre também a percepção dos nexos sociais causais que resultaram nos atos desviantes.

Um aspecto também digno de registro nessa experiência do projeto de extensão é a gratidão e a identificação que se estabelecem entre os socioeducandos e os dois artistas do projeto. Se a “gratidão é a memória moral da humanidade” (SIMMEL, 1992, p. 662), esse sentimento por parte dos adolescentes pode constituir um forte impulso no compromisso com a mudança que costumam professar durante as oficinas.Só o 2kp21 que vem aqui Fazer nós sorrir Tirar nós do mofo Aqui é uma fuleragem22 Mas é só uma passagem23
Considerações finais

Antonio Candido (2004b, p. 9) explica que, na literatura, a “redução estrutural” consiste no “processo por cujo intermédio a realidade do mundo e do ser se torna, na narrativa ficcional, componente de uma estrutura literária, permitindo que esta seja estudada em si mesma, como algo autônomo”. A experiência do projeto de extensão contribui para a percepção de que o rap é uma linguagem poética capaz de transformar “materiais não literários” (Idem) muito distantes da lírica tradicional em formas de expressão narrativa. “Fuzis”, “balas”, “cadáveres”, “sirenes”, “sangue”, “perícias”, “túmulos”, “drogas”, “grades” e “crimes” são materiais brutos recorrentes nas existências dos adolescentes pobres das periferias de Belém e adjacências. Tais materiais provocam, inexoravelmente, “choro”, “pesadelo”, “tormento”, “agonia”. Em certo sentido, o rap se oferece como forma de restabelecer o espaço simbólico para a elaboração desses sofrimentos sociais. É certo que as oficinas de rap não são capazes de sozinhas alterarem a dinâmica social bárbara daqueles “materiais não literários” (Idem). Elas são apenas um paliativo, um alívio momentâneo para os adolescentes que precisarão voltar para o “mofo”.

Entretanto, o potencial do imaginário na reconstituição do campo de possibilidades (VELHO, 2003) dos adolescentes não pode ser descartado. Notamos, por exemplo, que ao longo dos meses as letras dos adolescentes se transformam, passando de narrativas que culpabilizam a si mesmos e identificam os delitos como falhas morais - “Sei que só depende de mim” - a formulações sobre as condições sócio-históricas que os expuseram à violência e à criminalidade - “Não nos deram educação, nem oportunidades, só drogas, armas e grades”. Esse aprendizado foi se apresentando gradativamente também para nós, professoras, discentes e artistas participantes.

Inicialmente, havia a perspectiva de estabelecer discussões e debates mais orientados para a informação sobre temas como o ECA, desigualdades raciais e estrutura familiar. Porém, percebemos que o caráter lúdico das atividades era imprescindível para prender a atenção dos adolescentes e tornar sua participação mais ativa. Assim, com esse caráter mais lúdico, as oficinas logram contribuir para a restituição do direito à fabulação, que, conforme já elaborado, é um direito universal, um direito de qualquer sociedade, “desde o índio que canta suas proezas de caça ou evoca dançando a lua cheia, até o mais requintado erudito que procura captar com sábias redes os sentidos flutuantes de um poema hermético” (CANDIDO, 2004a, p. 180).Não sou perfeito Mas sou do gueto Não tenho castelo Mas meus pais são meus reis Mas eu nunca esquecerei De tudo que passei enfrentei24

Como se observa nesse último exemplo, nessa atividade fabulada, há também um processo bastante incipiente de reconstituição do “eu” que a vida no “gueto”, configurado pelas periferias de Belém e muitas outras cidades brasileiras e, além disso, em uma instituição total, contribui para desfigurar. Para processar sua “redução estrutural” (Ibid., p. 9), os adolescentes precisam rememorar eventos traumáticos e pensar em formas de comunicá-los por meio de uma linguagem poética. Esse processo já é uma maneira de traduzir elementos que pertencem à dinâmica brutal das periferias de onde eles vieram e da vida no cárcere para uma linguagem capaz de decantar tais elementos, ainda que provisoriamente. Logra-se tal decantação porque se trata de uma linguagem que transforma em símbolos (ou sonhos) uma realidade permeada pelo indizível da violência.

Referências
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1
Agradecemos à Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Pará (UFPA) pela bolsa Pibex do edital de 2018 e pelos recursos concedidos no Prêmio Proex de Arte e Cultura do edital 2019.
2
A extensão é definida pelo Ministério da Educação (MEC) como “atividade que se integra à matriz curricular e à organização da pesquisa, constituindo-se em processo interdisciplinar, político, educacional, cultural, científico, tecnológico, que promove a interação transformadora entre as instituições de ensino superior e os outros setores da sociedade, por meio da produção e da aplicação do conhecimento, em articulação permanente com o ensino e pesquisa” (BRASIL, 2018). A resolução nº 7, de 18 de dezembro de 2018 determina que as atividades de extensão devem compor, no mínimo, 10% do total da carga horária curricular estudantil dos cursos de graduação (Idem).
3
O termo MC surgiu da sigla para “mestre de cerimônias”, aquele responsável por apresentar os artistas e animar o público durante as festas. A partir dos anos 1970, por seu papel na música e na cultura hip-hop, MC tornou-se um título alternativo para um cantor de rap, ou rapper. Pode ser usado para denotar um nível superior de habilidade e conexão com a cultura hip-hop.
4
A reflexão a respeito da relação entre equilíbrio social e fabulação está em consonância com as ideias de Antonio Candido, sob o mote de que, do mesmo modo que o sonho repõe o equilíbrio psíquico durante o sono, a literatura ou, dito de modo mais amplo, a atividade de fabulação repõe o equilíbrio social, por ser “o sonho acordado das civilizações” (CANDIDO, 2004a, p. 175).
5
Também no caso da unidade de socioeducação onde é realizado o projeto, os adolescentes atendidos são em sua grande maioria negros. Em duas ocasiões tentamos provocar o racismo como tema gerador, apresentando um documentário, mas verificamos resistência ao tema por parte dos adolescentes. Ao conversarmos sobre essa resistência em reunião dos integrantes do projeto, uma aluna, que faz parte do movimento negro em Belém, nos explicou como a autoidentificação do negro pode ser um processo doloroso para o adolescente, que muitas vezes sofre pressão para negar sua identidade. De todo modo, reconhecemos o problema racial como central no debate acerca da socioeducação. Temos sentido a necessidade de uma reflexão para a concepção de novas abordagens, introduzindo a questão não a partir de aspectos negativos do racismo, mas dos aspectos positivos da negritude. Uma das formas de promover esse debate foi a partir de vídeos, como Hat-Trick, de Djonga, uma obra visual poderosa e impactante que retrata a vida de um homem negro que se sujeita à pressão de negar-se e tentar tornar-se socialmente branco: “Pensa bem/Tira seus irmão da lama/Sua coroa larga o trampo/Ou tu vai ser mais um preto/Que passou a vida em branco?/Abram alas pro rei, ô/Abram alas pro rei, ô/Abram alas pro rei, ô/Me considero assim/Pois só ando entre reis e rainhas” (DJONGA, 2019).
6
Trecho de rap criado em uma das oficinas do projeto de extensão “Imaginação sociológica junto a adolescentes privados de liberdade”.
7
Idem.
8
Idem.
9
Idem.
10
Idem.
11
Idem.
12
Idem.
13
Idem.
14
Idem.
15
Idem.
16
Idem.
17
Idem.
18
Idem.
19
Idem.
20
Idem.
21
Nome artístico de um dos rappers participantes do projeto de extensão.
22
“Fuleragem” é gíria recorrente do Norte e do Nordeste do país que sugere bagunça, desordem, confusão.
23
Trecho de rap criado em uma das oficinas do projeto de extensão “Imaginação sociológica junto a adolescentes privados de liberdade”.
24
Idem.

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