Na década de 1970, uma transformação conceitual mudou as práticas escolares. A linguagem deixou de ser entendida apenas como a expressão do pensamento para ser vista também como um instrumento de comunicação, envolvendo um interlocutor e uma mensagem que precisa ser compreendida. Todos os gêneros passaram a ser vistos como importantes instrumentos de transmissão de mensagens: o aluno precisaria aprender as características de cada um deles para reproduzi-los na escrita e também para identificá-los nos textos lidos.
Ainda era essencial seguir um padrão preestabelecido, e qualquer anormalidade seria um ruído. Para contemplar a perspectiva, o acervo de obras estudadas acabou ampliado, já que o formato dos textos clássicos não servia de subsídio para a escrita de cartas, por exemplo.
Segundo a pedagoga especializada em linguística, Kátia Lomba Bräkling, nessa concepção, a língua é um código e escrever seria o exercício de combinar palavras e frases para formar um texto. Assim, o ensino precisava focar prioritariamente as estruturas – os substantivos, os verbos, os pronomes, etc. – que compõem a língua e seus usos corretos.
Em pouco tempo, no entanto, as correntes acadêmicas avançaram mais. Mikhail Bakhtin (1895-1975) apresentou uma nova concepção de linguagem, a enunciativo-discursiva, que considera o discurso uma prática social e uma forma de interação - tese que vigora até hoje. A relação interpessoal, o contexto de produção dos textos, as diferentes situações de comunicação, os gêneros, a interpretação e a intenção de quem o produz passaram a ser peças-chave.
A expressão não era mais vista como uma representação da realidade, mas o resultado das intenções de quem a produziu e o impacto que terá no receptor. O aluno passou a ser visto como sujeito ativo, e não um reprodutor de modelos, e atuante - em vez de ser passivo no momento de ler e escutar.
PAPEL DE ESCRIBA Eleger um jovem para escrever as produções orais incentiva a construção coletiva.
Foto: Drawlio JocaEssas ideias ganharam suporte das pesquisas que têm em comum as concepções de aprendizagem socioconstrutivistas, que consideram o conhecimento como sendo elaborado pelo sujeito, e não só transmitido pelo mestre. Entre os principais pensadores estão Lev Vygostsky (1896-1934) - que mostrou a importância da interação social e das trocas de saberes entre as crianças - e Jean Piaget (1896-1980) - pai da teoria construtivista.
Nos anos 1980, Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, autoras do livro Psicogênese da Língua Escrita, apresentaram resultados de suas pesquisas sobre a alfabetização, mostrando que o aluno constrói hipóteses sobre a escrita e também aprende ao reorganizar os dados que têm em sua mente. Em seguida, as pesquisas de didática da leitura e escrita produziram conhecimentos sobre o ensino e a aprendizagem desses conteúdos.
Hoje, a tendência propõe que certas atividades sejam feitas diariamente com os alunos de todos os anos para desenvolver habilidades leitoras e escritoras. Entre elas, estão a leitura e escrita feita pelos próprios estudantes e pelo professor para a turma (enquanto eles não compreendem o sistema de escrita), as práticas de comunicação oral para aprender os gêneros do discurso e as atividades de análise e reflexão sobre a língua.
A leitura, coletiva e individualmente, em voz alta ou baixa, precisa fazer parte do cotidiano na sala. "O mesmo acontece com a escrita, no convívio com diferentes gêneros e propostas diretivas do professor. O propósito maior deve ser ver a linguagem como uma interação", explica Francisca Maciel, diretora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), em Belo Horizonte.
O desenvolvimento da linguagem oral, por sua vez, apesar de ainda pouco priorizado na escola, precisa ser trabalhado com exposições sobre um conteúdo, debates e argumentações, explanação sobre um tema lido ou leituras de poesias. "O importante é oferecer oportunidades de fala, mostrando a adequação da língua a cada situação social de comunicação oral".
Trecho adaptado da reportagem O papel das letras na interação social.
Revista Nova Escola
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