quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A Dialogicidade e a Formação


A Dialogicidade e a Formação
Maria Clara C. M. Gimenes1
Resumo:
O presente trabalho aponta uma questão importante dentro da formação dos educadores que é a relação entre educadores e educandos e os diferentes saberes construídos. Não deixa de lado a modalidade “treinamento”, amparada por uma teoria, como fazendo parte desta formação.
Menciona a modalidade “inteligência e conhecimento” como importantes no processo de formação. E acrescenta a questão da dialogicidade que, muitas vezes, passa desapercebida mas que é fundamental para a formação deste educador e do educando. É que é através deste diálogo
professor/aluno que haverá uma real formação.
Palavras-Chave: Formação, Dialogicidade, Complexidade.


Introdução
Ao se iniciar uma discussão sobre o processo de formação de professores, torna-se necessário dar sentido a palavra formação. Em se tratando da educação formal, esse termo, quando utilizado para caracterizar a "capacitação de pessoas para a atuar no âmbito educacional", sempre esteve vinculado a vários outros, tais como, "capacitação", "treinamento", "reciclagem", etc.. Destaca-se o texto da autora Marin (1995) que procura esclarecer as diferenças entre os vários termos que designam a formação continuada no âmbito da educação. Em sua discussão chama a atenção a forma como ela localiza o termo treinamento. Para a autora, este termo tem como referente o tornar apto, capaz de realizar tarefas, onde o foco principal se refere a modelagem de comportamentos. E rejeitando esta postura, a autora afirma:
“Penso que, em se tratando de profissionais de educação, há inadequação em tratarmos os processos de educação continuada como treinamento quando desencadearem apenas ações com finalidades meramente mecânicas. Tais inadequações são tanto maiores quanto mais as ações forem distantes das manifestações inteligentes, pois não estamos, de modo geral, meramente modelando comportamentos ou esperando reações padronizadas; estamos educando pessoas que exercem funções pautadas pelo uso da inteligência e nunca apenas pelo uso de seus olhos, seus passos ou gestos”. (Marin, 1995, p. 15)
Compreende-se o termo treinamento como o que tem a professora Marin. No entanto, entende-se que o treinamento é uma modalidade de formação e que está também nas práticas de formação inicial dos professores. Tanto em uma como em outra esferas de formação, inicial ou contínua, há uma certa ênfase no que diz respeito ao domínio das técnicas, das ferramentas, das
estratégias de ensino; embasado em teorias científicas comprovadas. Em outras palavras, este tipo de formação - o treinamento – encontra-se tanto no saber (conhecimento) quanto no saber-fazer (prática), que em alguns momentos caminham juntos, em outros, não. Na educação escolar, esta abordagem se reflete no processo de aprendizagem dos estudantes: da mesma forma em que o professor foi treinado a ministrar aulas - o aluno é treinado a ler, a escrever, a contar, a fazer contas, a memorizar.
Em sua opinião contra a utilização do termo treinamento para designar o trabalho de educação continuada, Marin aponta um elemento que a caracterizaria enquanto tal, qual seja, o uso da inteligência, o que pressupõe uma educação pautada na razão. Finalizando seu texto, ela localiza o conhecimento como o centro tanto da formação inicial ou básica como da formação continuada. Segundo ela:
"É o conhecimento, ainda, estabelecido como fulcro das novas dinâmicas interacionistas das instituições para a valorização da educação e a superação de seus problemas e dificuldades." (Marin, 1995, p. 18).
Apesar de considerada uma dimensão importante para esse tipo de formação, ela - exclusivamente - não contempla a complexidade do fenômeno em pauta. Entende-se que nos processos de formação - inicial e contínuo - as preocupações devem estar voltadas também a um
saber-ser, onde a experiência e o vivido que perpassam a relação devem ter grande relevância. É
uma perspectiva com grandes possibilidades de trocas e que extrapolam a dimensão exclusivamente da razão: a relação em si mesma na dialogicidade, passa a ser o ponto de partida
para a compreensão dos processos inerentes à dinâmica da formação.
Não há, todavia, um abandono do aprimoramento teórico-didático, mas pretende-se, ao defendê-la (a dialogicidade) , caracterizar o saber-fazer a partir de outras dimensões, dando-lhe um novo significado, enfatizando-o como um espaço para a emergência da diferença, dos ritmos próprios, dos processos particulares daqueles que nele estão envolvidos.


A educação: saber, saber-fazer e saber-ser
A educação será entendida aqui como o conjunto das estratégias culturais que se estruturam nas sociedades e que tem por objetivo assegurar sua continuidade material e sociocultural. Assim, para a consecução deste objetivo são criadas várias instituições, tais como a família, a escola, a igreja, etc.
E Ardoino (1995) nos esclarece que a “educação aparenta, hoje, como uma função social global, intimamente associada à idéia de cultura, presa dentro de sua acepção antropológica mais ampla, visando desenvolver a transformação e o progresso social, (...), mais que a adaptação e a integração, (...) exercidas por numerosas e variadas instâncias. Porque ela é aculturação, através da tradição de conhecimentos e da aquisição de um saber-fazer e de um saber-ser; e ela expressa, o que é mais fundamental ainda, "visões de mundo", uma "cosmogonia" ... (Ardoino, 1998a).
A educação, no plano macro-social, vincula-se à sucessão histórica das culturas, à sua continuidade. Mas, pelo fato da educação situar-se no âmbito da transmissão , onde implicam pelo menos duas pessoas, ela também se encontra na plano das micro-relações; e estas colocam em jogo aspectos da convivência humana - os elementos que dizem respeito às vontades, aos desejos, e se inscrevem na ordem do inconsciente.
A escola, enquanto uma instituição que se propõe transmitir um saber e um saber fazer, tem como modelo dominante a idéia de universalidade do conhecimento. Este modelo, no entanto, se vê confrontado quando aproxima-se à formação profissional. Neste domínio não localiza-se mais sob a idéia universalidade, mas da particularidade e da singularidade, a medida que estes "alunos/profissionais" trazem já uma experiência prévia e valores estabelecidos.
Esta aproximação promove mudanças importantes no âmbito da educação escolar pois educadores, teóricos da educação, etc., se vêem às voltas com questões relativas às dimensões temporal e histórica, dimensões estas que passam a ser consideradas como intrínsecas ao processo educacional. Trata-se de uma "duração", de um tempo vivido, do ritmo próprio de cada um.

Tempo esse que se estabelece a partir de preconceitos, de prismas, e da temporalidade própria. A escola, todavia, geralmente atua "como se isso não existisse.” (Ardoino, 1998).
Assim, há o reconhecimento de que o processo educativo é algo inacabado, pois, tanto educador como educando, encontram-se vinculados na atividade educacional ocupando, obviamente, lugares diferentes, mas, numa mesma situação de relação, onde os efeitos, eles mesmos, a alteram, isto é, há mudanças promovidas pelo próprio jogo dessas interações. Pensar a educação sob essa ótica, pressupõe um redirecionamento, principalmente no que tange às intencionalidades das práticas educativas.

É importante salientar que as relações estabelecidas no âmbito da educação sob a perspectiva exclusiva de um saber e/ou saber-fazer estão estruturadas a partir dos pressupostos do que se denominou na literatura de "educação tradicional" (Mizukami, 1986). Apesar das mudanças curriculares, das novas teorias sobre o ensino, dos novos esclarecimentos psicológicos sobre o processo de conhecimento, etc., ainda encontramos em nossas salas de aula uma relação que se estrutura verticalmente, onde o professor detém o poder do conhecimento e o aluno é aquele que
recebe e incorpora tal conteúdo.
Além disso, as relações que se estabelecem no âmbito da escola privilegiam as metodologias, os conteúdos, as grades curriculares, a organização burocrática etc.
desconsiderando-se aspectos não lógicos, irracionais, como os afetos, a emoção, as expressões do
inconsciente, etc..
Os professores não estabelecem uma relação mais profunda com seus alunos pois não há um reconhecimento, por parte destes professores, dos elementos citados anteriormente dentro da relação educativa. E os professores se afastam quando os alunos apresentam dificuldades em sua
vida acadêmica (geralmente acompanhadas por problemas comportamentais).
As relações no âmbito escolar obedecem critérios lógicos (o da inclusão/exclusão, o da aprovação/reprovação, etc.), o envolvimento profissional que contempla outras dimensões (geralmente definidas como "não lógicas"), as expressões do inconsciente, etc. - necessário para o
processo de formação do indivíduo - fica desqualificado, pois o subjetivo é localizado na ordem do "não confiável", do "não mensurável".
O que se quer dizer com isso é que a educação deve se subsidiar não mais na “... tradição dum 'saber' ou dum 'saber-fazer, mas da comunicação duma 'experiência', da aquisição dum 'saber viver' ou dum 'saber-ser'. A ação formativa [deve] produzir aqui um 'conhecimento experimental', dos problemas, que se pode opor ao conhecimento intelectual..” (Ardoino, 1971, p. 70)

Conclusão
E assim finalizando, entende-se que esse "saber ser", "saber viver", como pressupõe Ardoino, implica necessariamente a presença de um outro. É através do outro que o indivíduo chega a saber ser, a saber tornar-se. É na interação, portanto, que o indivíduo "sabe-se sendo", é na troca, no vivido que aprende "saber-ser": eis aqui o principal fundamento da formação de educadores (dialogicidade).
Isso significa dizer que há, por parte do professor e do aluno, um “... engajamento pessoal e coletivo ... em função de sua história familiar e libidinal, de suas posições passadas e atual nas relações de produção e de classe, e de seu projeto sócio-político em ato, de tal modo que o investimento que resulte inevitavelmente de tudo isso seja parte integrante e dinâmica de toda atividade”. (Barbier, 1985, p. 120).
Essa idéia sugere que o processo educacional coloca em ação vários elementos geralmente desconsiderados nos processos de formação de educadores, quais sejam: as motivações mais profundas dos envolvidos no processo (muitas vezes inconscientes), os seus desejos, as suas projeções pessoais, as suas identificações, suas experiências pessoais, etc.
Deve-se compreender que há um processo de "negociação" e que não se estabelece entre adversários, ele se dá entre "parceiros", pois quando alguém se envolve numa negociação necessita de um "outro" para poder negociar (Ardoino, 1998a). Há o que chama-se de complemento.

Referências Bibliográficas
ARDOINO, J. (1971). Psicologia da educação: na universidade e na empresa. São Paulo: Herder:
Edusp.
ARDOINO, J. (1998). Abordagem multirreferencial (plural) das situações educativas e
formativas. In J. G. Barbosa (coord.), Multirreferencialidade nas ciências e na educação (pp. 24-
41). São Carlos: Editora da UFSCar.
ARDOINO, J. (1998a). A formação do educador e a perspectiva multirreferencial. Mini-Curso
ministrado na Universidade Federal de São Carlos - Departamento de Educação - Programa de
Pós-Graduação em Educação, no período de 15 a 16.10.
BARBIER, R. (1985). A pesquisa-ação na instituição educativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
FREITAS, L. C. (1992). Em direção a uma política para a formação de professores. Em Aberto.
54:3-22..
MARIN, A. J. (1995). Educação continuada: introdução a uma análise de termos e concepções.
Cadernos Cedes. 36:13-20.
MIZUKAMI, M. G. N. (1986). Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU.

1 Graduada em Pedagogia pela FE-UnB. Professora na Fundação Educacional do Distrito Federal. E-mail:
mclara33@hotmail.com


Revista de Pedagogia - UNB

Um comentário:

  1. Muito interessante o texto...

    Acredito que para complemetar a formação de todo educador, Edgar Morin seria um autor básico a ser incluido nas bibliografias, o seu pensamento complexo com são chamadas as suas teorias de uma pensamento holistico e transdisciplinar, que reunifica o saber humano, e procura interligá-lo é de fundamental importância.

    A ci~encia tradicional framentou o Sujeito do Conhecimento, que faz ciência senão o Sujeito... o Sujeito não pode mais ser dissociado do objeto estudado... A ciência a ser estudada, não pode mais conviver em um ambiente frio e controlado de laboratório ela deve ser humanizada...

    Valorizamos uma educação que hieprtrofia de mais apenas uma das funções psiquicas existentes que trata da razão... mas educar e aprender não é apenas uma questão de pura lógica ou razão... antes de mais nada se faz necessário adotarmos uma postura transpedagógica de ensino, que transmita valores humanos para a formação de uma nova sociedade de paz e justiça... de valores como uma paideia num ensino global e vituoso... e que em sua metodologia não se esqueça das demais funções do Sujeito por de trás do Objeto, tais como a Emoção, a Intuição onde se insere a espiritualiade que difere da religião por não propagar crença alguma, mas manifestar o trancedente em si mesmo e por fim a Sensação, como o que eu aprendo me estimula fisicamente no meu corpo e em que parte do meu corpo...

    Esta em minha opinião seria uma verdadeira formação que como diz Freire ensina o educando a ler a sua propria palavra, que imitaria a paloavra Divina e Criadora que emana dentro de si...

    o Paradigma antigo de Educação, da conmcepção bancária está ultrapassada, e urgentemente se faz mister, profissionais que sintam que educar é uma missão, e de que somos todos seres inacabados, que aprendemos por toda a vida, e de que o conhecimento que o educando tras consigo não pode ser ignorado...

    Parabéns...

    Namastê !

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