domingo, 29 de agosto de 2010

Friedrich Froebel - O formador das crianças pequenas

O criador dos jardins-de-infância defendia um ensino sem obrigações porque o aprendizado depende dos interesses de cada um e se faz por meio da prática
Márcio Ferrari

Foto: Massimo Listri/Corbis/Stock Photos


O alemão Friedrich Froebel (1782-1852) foi um dos primeiros educadores a considerar o início da infância como uma fase de importância decisiva na formação das pessoas – idéia hoje consagrada pela psicologia, ciência da qual foi precursor. Froebel viveu em uma época de mudança de concepções sobre as crianças (leia quadro na página 49) e esteve à frente desse processo na área pedagógica, como fundador dos jardins-de-infância, destinado aos menores de 8 anos. O nome reflete um princípio que Froebel compartilhava com outros pensadores de seu tempo: o de que a criança é como uma planta em sua fase de formação, exigindo cuidados periódicos para que cresça de maneira saudável. "Ele procurava na infância o elo que igualaria todos os homens, sua essência boa e divina ainda não corrompida pelo convívio social", diz Alessandra Arce, professora da Universidade Federal de São Carlos.

As técnicas utilizadas até hoje em Educação Infantil devem muito a Froebel. Para ele, as brincadeiras são o primeiro recurso no caminho da aprendizagem. Não são apenas diversão, mas um modo de criar representações do mundo concreto com a finalidade de entendê-lo. Com base na observação das atividades dos pequenos com jogos e brinquedos, Froebel foi um dos primeiros pedagogos a falar em auto-educação, um conceito que só se difundiria no início do século 20, graças ao movimento da Escola Nova, de Maria Montessori (1870-1952) e Célestin Freinet (1896-1966), entre outros.

Biografia

Filho de um pastor protestante, Friedrich Froebel nasceu em Oberweissbach, no sudeste da Alemanha, em 1782. Nove meses depois de seu nascimento, sua mãe morreu. Adotado por um tio, viveu uma infância solitária, em que se empenhou em aprender matemática e linguagem e a explorar as florestas perto de onde morava. Após cursar informalmente algumas matérias na Universidade de Jena, tornouse professor e ainda jovem fez uma visita à escola do pedagogo Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), em Yverdon, na Suíça. Em 1811, foi convocado a lutar nas guerras napoleônicas. Fundou sua primeira escola em 1816, na cidade alemã de Griesheim. Dois anos depois, a escola foi transferida para Keilhau, onde Froebel pôs em prática suas teorias pedagógicas. Em 1826, publicou seu livro mais importante, A Educação do Homem. Em seguida, foi morar na Suíça, onde treinou professores e dirigiu um orfanato. Todas essas experiências serviram de inspiração para que ele fundasse o primeiro jardim-de-infância, na cidade alemã de Blankenburg. Paralelamente, administrou uma gráfica que imprimiu instruções de brincadeiras e canções para serem aplicadas em escolas e em casa. Em 1851, confundindo Froebel com um sobrinho esquerdista, o governo da Prússia proibiu as atividades dos jardins-de-infância. O educador morreu no ano seguinte, mas o banimento só foi suspenso em 1860, oito anos mais tarde. Os jardins-de-infância rapidamente se espalharam pela Europa e nos Estados Unidos, onde foram incorporados aos preceitos educacionais do filósofo John Dewey (1859-1952).

Treino de habilidades

Por meio de brinquedos que desenvolveu (leia quadro na página 48) depois de analisar crianças de diferentes idades, Froebel previu uma educação que ao mesmo tempo permite o treino de habilidades que elas já possuem e o surgimento de novas. Dessa forma seria possível aos alunos exteriorizar seu mundo interno e interiorizar as novidades vindas de fora – um dos fundamentos do aprendizado, segundo o pensador.

Brinquedos criados para aprender



Crianças de um jardim-de-infância brasileiro:
brincadeiras para desenvolver a criatividade.


Foto: Masao Goto FilhoFroebel considerava a Educação Infantil indispensável para a formação da criança – e essa idéia foi aceita por grande parte dos teóricos da educação que vieram depois dele. O objetivo das atividades nos jardins-de-infância era possibilitar brincadeiras criativas. As atividades e o material escolar eram determinados de antemão, para oferecer o máximo de oportunidades de tirar proveito educativo da atividade lúdica. Froebel desenhou círculos, esferas, cubos e outros objetos que tinham por objetivo estimular o aprendizado. Eles eram feitos de material macio e manipulável, geralmente com partes desmontáveis. As brincadeiras eram acompanhadas de músicas, versos e dança. Os objetos criados por Froebel eram chamados de "dons" ou "presentes" e havia regras para usá-los, que precisariam ser dominadas para garantir o aproveitamento pedagógico. As brincadeiras previstas por Froebel eram, quase sempre, ao ar livre para que a turma interagisse com o ambiente. "Todos os jogos que envolviam os ‘dons’ começavam com as pessoas formando círculos, movendo-se e cantando, pois assim conseguiam atingir a perfeita unidade", diz Alessandra Arce. Para Froebel, era importante acostumar as crianças aos trabalhos manuais. A atividade dos sentidos e do corpo despertariam o germe do trabalho, que, segundo o educador alemão, seria uma imitação da criação do universo por Deus.

Ao mesmo tempo que pensou sobre a prática escolar, ele se dedicou a criar um sistema filosófico que lhe desse sustentação. Para Froebel, a natureza era a manifestação de Deus no mundo terreno e expressava a unidade de todas as coisas. Da totalidade em Deus decorria uma lei da convivência dos contrários. Isso tudo levava ao princípio de que a educação deveria trabalhar os conceitos de unidade e harmonia, pelos quais as crianças alcançariam a própria identidade e sua ligação com o eterno. A importância do autoconhecimento não se limitava à esfera individual, mas seria ainda um meio de tornar melhor a vida em sociedade.

Além do misticismo e da unidade, a natureza continha, de acordo com Froebel, um sistema de símbolos conferido por Deus. Era necessário desvendar tais símbolos para conhecer o que é o espírito divino e como ele se manifesta no mundo. A criança, segundo o educador, trazia em si a semente divina de tudo o que há de melhor no ser humano. Cabia à educação desenvolver esse germe e não deixar que se perdesse.

Educação espontânea

O caminho para isso seria deixar a criança livre para expressar seu interior e perseguir seus interesses. Froebel adotava, assim, a idéia contemporânea do "aprender a aprender". Para ele, a educação se desenvolve espontaneamente. Quanto mais ativa é a mente da criança, mais ela é receptiva a novos conhecimentos.

O ponto de partida do ensino seriam os sentidos e o contato que eles criam com o mundo. Portanto, a educação teria como fundamento a percepção, da maneira como ela ocorre naturalmente nos pequenos. Isso não quer dizer que ele descartasse totalmente o ensino diretivo, visto como um recurso legítimo caso o aluno não apresentasse o desenvolvimento esperado. De modo geral, no entanto, a pedagogia de Froebel pode ser considerada como defensora da liberdade.

Novo conceito de infância na Europa

Retrato da família de Maximiliano I, da
Áustria, do século 15: crianças com feições
de adultos. Foto: Hulton/Getty Images

Duas tendências históricas são essenciais para a compreensão da obra de Froebel. Uma é a valorização da infância – que passou, entre os séculos 18 e 19, a ser encarada como uma fase da vida com particularidades bem marcantes e com duração longa (é dessa época também o surgimento do conceito de adolescência). Havia pouco tempo, era comum meninos europeus de 7 anos entrarem para as Forças Armadas. Cerca de um século antes do nascimento de Froebel, tamanha era a mortalidade infantil que a infância não passava de um período de "teste" para candidatos a adultos. Na Idade Média, segundo o historiador francês Philippe Ariès, a idéia de infância simplesmente não existia: as crianças eram adultos à espera de adquirir a estatura "normal". Outra tendência histórica marcante do período em que Froebel viveu foi o individualismo burguês, simbolizado pela figura de Napoleão, que encarnava o ideal do homem que se fez sozinho e se tornou imperador da França.

O educador acreditava que as crianças trazem consigo uma metodologia natural que as leva a aprender de acordo com seus interesses e por meio de atividade prática. Ele combatia o excesso de abstração da educação de seu tempo, argumentando que ele afastava os alunos do aprendizado. Na primeira infância, dizia, o importante é trabalhar a percepção e a aquisição da linguagem. No período propriamente escolar, seria a vez de trabalhar religião, ciências naturais, matemática, linguagem e artes.

Froebel defendia a educação sem imposições às crianças porque, segundo sua teoria, elas passam por diferentes estágios de capacidade de aprendizado, com características específicas, antecipando as idéias do suíço Jean Piaget (1896-1980). Froebel detectou três estágios: primeira infância, infância e idade escolar. "Em seus escritos, ele demonstra como a brincadeira e a fala, observadas pelo adulto, permitem apreender o nível de desenvolvimento e a forma de relacionamento infantil com o mundo exterior", diz Alessandra Arce.

Froebel não fez a separação entre religião e ensino, consagrada atualmente, mas via a educação como uma atividade em que escola e família caminham juntas, outra característica que o aproxima da prática contemporânea.

Para pensar

Froebel chegou a suas conclusões sobre a psicologia infantil observando as brincadeiras e os jogos das crianças. Diante das atividades espontâneas de seus alunos, você já pensou que tem a oportunidade de entender a psicologia de cada um e também de depreender algumas características da faixa etária a que eles pertencem?
Quer saber mais?

A Educação do Homem, Friedrich Froebel, 238 págs., Ed. UPF.
50 Grandes Educadores: de Confúcio a Dewey, Joy A. Palmer, 308 págs., Ed. Contexto.
Friedrich Froebel: o Pedagogo dos Jardins-de-Infância, Alessandra Arce, 120 págs., Ed. Vozes.
História Social da Criança e da Família, Philippe Ariès, 280 págs., Ed. LTC.

Revista Nova Escola

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Teatro na escola: considerações a partir de Vygotsky


Maria Eunice de OliveiraI; Tania StoltzII

IMestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná
IIDoutora em Psicologia da Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: tstoltz@ufpr.br


Introdução

O ser humano é de complexidade tal que o próprio homem não consegue perceber e relacionar todos os aspectos, todas as causas e consequências daquilo que faz de um indivíduo esse ser específico. Cada criança, cada pessoa, é única; age e reage ao mundo segundo todas e cada uma de suas características próprias. A busca do desenvolvimento humano como um todo deve, de igual modo, abarcar diversos aspectos, dentre os quais o cognitivo, o afetivo, o motor, o social.

Por muito tempo, e hoje isto ainda ocorre, pensou-se a educação da criança de forma fragmentada. A família era vista como a promotora do desenvolvimento afetivo e social; a escola, do cognitivo. Não se via o aspecto motor como muito relacionado aos demais. Atualmente, entende-se todos os aspectos como inter-relacionados e interdependentes. O desenvolvimento implica o estímulo do conjunto.

Nesse sentido, a escola pode oferecer experiências significativas aos educandos: que os afetem nas esferas emocional, social, motora e cognitiva; que os motive a buscar e conquistar muito mais que conteúdos. Um dos caminhos pode ser o de trabalhar com a arte para além das aulas de educação artística.

Pensando em diferentes situações possíveis de se construir na escola, cujos objetivos sejam alcançar esses aspectos, este artigo propõe possibilidades de trabalho com atividades teatrais fundamentando-se nas ideias de Vygotsky a respeito da relação entre desenvolvimento humano e arte.

Interação Social e Desenvolvimento

Desde o princípio da vida, o desenvolvimento humano dá-se pela interação com o meio. Ao nascer, a sobrevivência da criança depende completamente das pessoas que a cercam. A interpretação dos movimentos e expressões emotivas da criança permite ao adulto satisfazer suas necessidades físicas e afetivas. Enquanto cresce, em contato e em trocas com o mundo, com pessoas e objetos, a criança recebe uma gama de estímulos que propulsionam seu desenvolvimento físico, emocional e cognitivo.

Para Vygotsky (1989), pela interação social, a criança tem acesso aos modos de pensar e agir correntes em seu meio. A cultura compartilha as formas de raciocínio, as diferentes linguagens (como a língua, a música, a matemática), tradições, costumes, emoções e muito mais. A utilização de instrumentos é uma característica essencialmente humana que possibilita maior domínio do meio e o desenvolvimento de habilidades específicas para utilizá-lo. Os signos elaborados pela cultura servem como instrumentos intelectuais que exigem do homem e lhe possibilitam uma diferenciação do pensamento em relação aos animais. Um dos pontos cruciais do desenvolvimento humano, que altera o curso de seu pensamento, é a conquista da fala.

De início, quando a criança profere sons e sílabas sem significado, a fala tem uma função afetivo-conativa, afirma Vygotsky (2005); e a inteligência da criança é de tipo prático. Embora pensamento e fala tenham caminhos de desenvolvimento parcialmente diferentes, em determinado momento seus percursos se encontram mais efetivamente, o que permite a construção do pensamento verbalizado e da fala intelectual. A linguagem, esse sistema de signos historicamente construído, possibilita uma forma de pensamento qualitativamente muito superior àquele anterior na criança. As emoções, assim como o pensamento, podem evoluir de um nível inferior para outro superior, mais complexo, transformando-se em sentimentos de acordo com a valorização das mesmas na sociedade.

O desenvolvimento de formas superiores de pensamento ou de comportamento é possível, portanto, no processo de internalização da cultura. Os signos, significados, sentimentos, instrumentos são compartilhados pelos sujeitos e transmitidos através das gerações. Vygotsky (1989) chama de internalização "a reconstrução interna de uma operação externa" (p.63) por meio de uma série de transformações. Um processo interpessoal torna-se intrapessoal; uma atividade interpsicológica torna-se intrapsicológica.

Assim, analiticamente falando, comportamento e conhecimento são, primeiramente, externos ao sujeito para tornar-se internos. A língua, a moral, as regras, os costumes, enquanto constructos sociais, encontram-se inicialmente fora do indivíduo: "A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana; é a base do salto qualitativo da psicologia animal para a psicologia humana." (VYGOTSKY, 1989, p.65).

Esse processo, contudo, não reproduz indivíduos idênticos, pois há outros fatores em questão. Por exemplo, Vygotsky (2004) diz que não se impõe nada, que não é possível mudar o outro, mas é a própria pessoa que modifica suas reações inatas pela experiência com os objetos do mundo.

Reconhecer a total impregnação social da nossa experiência de modo algum significa reconhecer o homem como um autômato e negar-lhe qualquer importância. Por isso a fórmula já referida, que se propõe prever o comportamento do homem com precisão matemática e libertá-lo das reações hereditárias do organismo e de todas as influências do meio, erra em um momento essencial: ela não leva em conta a infinita complexidade da luta que se desenvolve no interior do organismo e nunca permite que se calcule e se liberte de antemão o comportamento do homem, que nunca se manifesta senão no desfecho dessa luta. O meio não é algo absoluto, exterior ao homem. Não se consegue nem sequer definir onde terminam as influências do meio e começam as influências do próprio corpo. (VYGOTSKY, 2004, p. 71).

Dentre os contextos que têm papel central na aprendizagem e desenvolvimento humano está o escolar. É na escola que os sujeitos têm acesso aos fundamentos científicos do conhecimento. A função primordial do professor é organizar o meio de modo a provocar o interesse da criança e levá-la a agir para aprender, pois é a atividade do sujeito sobre o mundo que lhe permite apropriar-se do conhecimento e da cultura.

Propomos que um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar a zona de desenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar apenas quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança. [...] Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas. (VYGOTSKY, 1989, p. 101).

O autor fez distinções entre os níveis de desenvolvimento real e potencial ou proximal. O primeiro pode ser determinado pela capacidade do indivíduo em realizar, com autonomia, determinada atividade, é o patamar de desenvolvimento em que ele se encontra, cujas funções encontram-se amadurecidas. Quando a criança consegue realizar uma atividade com a ajuda de um adulto ou de um colega, mas ainda não consegue fazer sozinha, observa-se o passo seguinte de seu desenvolvimento, o nível de desenvolvimento potencial. A zona de desenvolvimento proximal (ZDP) representa a diferença entre os dois níveis e revela as funções não amadurecidas, mas que, nas palavras de Vygotsky, estão em estágio embrionário (VYGOTSKY, 1989, p. 97). Essa é a área de atuação do professor. A aprendizagem age na ZDP e impulsiona o desenvolvimento da criança. Uma vez que esta atinja novas capacidades via aprendizagem, cria-se uma nova ZDP, superior à anterior. Aprendizagem e desenvolvimento não coincidem exatamente, mas ambos estão relacionados, já que são processos justapostos, por isso interdependentes.

O autor afirma ainda que a experiência emocional da criança em relação ao meio social é decisiva no curso de seu desenvolvimento psicológico, pois determina o tipo de influência que a situação ou o meio terá sobre ela. Não é um fator em si que influencia o curso do desenvolvimento da criança, mas os diversos fatores refratados pelo prisma da experiência emocional da criança (VYGOTSKY, 1994, p. 340).

Assim, a ação do meio sobre a criança e a sua maturidade se completam, enquanto processo dialético, para que ela sinta, perceba e compreenda a realidade. O meio, continua Vygotsky (1994), não é sempre igual, nem sequer para a mesma criança porque esta se modifica e, ainda que vivencie o mesmo lugar, as mesmas pessoas, a mesma cultura, ela os experimenta diferentemente em cada momento de seu desenvolvimento. Assim, o meio se transforma segundo o processo de desenvolvimento da criança. Meio e indivíduo, em constante interação, modificam-se mutuamente.

Com base no que foi apresentado, propõe-se incluir atividades teatrais na escola, pois entende-se que o teatro é uma atividade artística que privilegia a interação social e a ação dos próprios sujeitos, promove o desenvolvimento da imaginação e o uso da linguagem e cria a ZDP. O teatro é uma linguagem artística que possibilita o uso da linguagem oral de forma especial.

A Linguagem

Vygotsky (2005, p.63) afirma que "O crescimento intelectual da criança depende de seu domínio dos meios sociais do pensamento, isto é, da linguagem.". E ainda, ao falar do desenvolvimento da fala e do intelecto, que originam a fala interior e o pensamento verbal, explica que este estágio não é continuação do primeiro. "A natureza do próprio desenvolvimento se transforma, do biológico para o sócio-histórico." (VYGOTSKY, 2005, p. 63, grifo do autor).

A compreensão do significado difere da construção do sentido ao se tratar da criança em relação ao adulto. A palavra expressa um significado, mas o sentido pode variar de pessoa para pessoa, de uma situação vivida a outra.

Vygotsky (2005) diz também que a criança tem uma forma distinta do adulto de elaborar conceitos. Com a aprendizagem da fala começa na criança um processo de construção de conceitos que só se completará na puberdade: "[...] o desenvolvimento dos processos que finalmente resultam na formação de conceitos amadurece, se configura e se desenvolve somente na puberdade. [...] A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa, em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte." (VYGOTSKY, 2005, p. 72-73).

A adolescência é o período de transição entre a infância e a vida adulta. Não é apenas a fase na qual a criança passa por transformações físicas importantes. Nesse período, a criança passa gradualmente a utilizar mais as palavras do que as imagens, mais o pensamento abstrato do que o pensamento concreto. O autor afirma que a formação de conceitos torna-se uma função do crescimento social e cultural global do adolescente, a qual afeta o conteúdo e o método do raciocínio. Na unidade dialética entre forma, compreendendo o desenvolvimento do cérebro e a maturação biológica, e conteúdo, fruto de um processo histórico cultural, a palavra revela-se um meio para a formação de conceitos, o que causa uma revolução no processo intelectual desta fase. Não se forma uma função elementar nova, mas sim todas as funções existentes formam uma síntese em uma nova estrutura. O adolescente torna-se capaz de direcionar seus próprios processos mentais com a ajuda das palavras ou signos, o que é parte do processo de formação de conceitos. "A capacidade para regular as próprias ações fazendo uso de meios auxiliares atinge o seu pleno desenvolvimento somente na adolescência." (VYGOTSKY, 2005, p. 74).

A formação de conceitos é o núcleo em torno do qual as mudanças do pensamento do adolescente se agregam. É um processo que exige criatividade, diz Vygotsky (1994). O autor discorre sobre dois tipos de impulsos na conduta humana (VYGOTSKY, 1930/2008). Ao primeiro denominou reprodutor. Estreitamente ligado à memória, possibilita ao ser humano reproduzir condutas e normas e reviver impressões de experiências passadas. Ao segundo tipo de impulso, chamou de criador, pelo qual o homem é capaz de criar algo novo a partir de combinações e reelaborações de experiências anteriores. Para tanto, a fantasia e a imaginação são imprescindíveis. É a capacidade de imaginar que fundamenta a atividade criadora e possibilita a criação artística, científica e técnica, mas também o que possibilita a um indivíduo solucionar problemas, redigir um texto ou elaborar um planejamento qualquer. Nesse sentido, todo indivíduo tem um impulso para criar. Diz o autor que "na vida que nos rodeia, todos os dias existem todas as premissas necessárias para criar; e, tudo o que excede o marco da rotina encerrando pelo menos uma mínima partícula de novidade tem sua origem no processo criador do ser humano." (VYGOTSKY, 1930/2008, p. 5).

A criança começa a exercitar sua imaginação muito cedo e é importante, aponta Vygotsky (1930/2008), fomentar esta capacidade, pois é grande sua participação no desenvolvimento infantil. A atividade criadora da imaginação está diretamente relacionada à riqueza e diversidade das experiências vividas pelo sujeito, porque são estas que oferecem o material para a fantasia. Experiência não necessariamente direta com o objeto; ouvir relatos de fatos vividos por outras pessoas, descrições de objetos vistos por outros olhos ou escutar histórias de culturas distantes são também material rico para construir ideias. Para Vygotsky, a gênese do pensamento generalizante está no desenvolvimento da imaginação.

O autor não concorda com a ideia de que a criança pequena é mais criativa ou imaginativa que o adolescente, pois imaginação e criatividade relacionam-se à livre reorganização e recombinação de elementos da experiência que preconizam liberdade de pensamento, ação e conhecimento que apenas pode ser atingido quando se pensa em conceitos. A capacidade de pensar em possibilidades que não se encontram diretamente na realidade concreta só surge, então, na adolescência. Essa ideia também concorda com a teoria de Piaget, segundo o qual o pensamento formal, caracterizado pelo pensamento abstrato das possibilidades, surge aproximadamente aos 11-12 anos, dependendo da cultura na qual a criança está inserida (PIAGET, 2003).

São as exigências da sociedade que conduzirão o adolescente a uma forma superior de pensamento. A maturação biológica e fatores hereditários não são suficientes. O processo depende das relações sociais, do desenvolvimento cultural do meio e das atividades de trabalho das crianças e adolescentes.

Na sociedade, diferentes linguagens estão presentes e são importantes no desenvolvimento humano, como as artes, a matemática e a informática. O acesso e domínio a essas diferentes linguagens propiciam o desenvolvimento de capacidades cognitivas e afetivas distintas.

A linguagem artística é, nesse trabalho, de especial interesse. Vygotsky (2001) explica que a música e a poesia provavelmente surgiram com o trabalho coletivo, físico e pesado, com o objetivo de aliviar a tensão. A função da arte revela-se, então, organizadora ou sistematizadora do sentido social do indivíduo e solução e vazão à tensão angustiante. "A arte, deste modo, surge inicialmente como o mais forte instrumento na luta pela existência(...)" (VYGOTSKY, 2001, p.310). Os elementos artísticos, seu significado, são produzidos e transmitidos socialmente. Cada objeto de arte expressa a história e a cultura do artista e do homem de determinada época (STOLTZ, 1999). Os sentimentos que desperta e supera também são históricos. Sobre a arte, diz Vygotsky (2001, p. 308) que "o sentimento é inicialmente individual, e através da obra de arte torna-se social ou generaliza-se. [...] a arte é uma espécie de sentimento social prolongado ou uma técnica de sentimentos".

O autor explica, ainda, que o ser humano não é capaz de dar conta da enorme quantidade de estímulos que recebe do meio, isso quando se observa a realidade analiticamente, apenas de forma cognitiva. O sistema nervoso humano, compara, é como uma estação em que muitos trens chegam, mas apenas um consegue partir. Permanece, então, no interior do indivíduo, muito a realizar, o que só pode ser solucionado na ação completa da existência: um processo que exige a participação da cognição e da afetividade.

A arte seria, desse modo, um instrumento que integraria essas duas instâncias, uma forma de equilibrar o organismo ao meio. Os sentimentos provocados pela arte, seja fazendo arte ou apreciando-a, superam os sentimentos comuns, que podem de alguma maneira ser expressos ou resolvidos, como quando se está triste ou alegre; aqueles sentimentos tocados e representados pela arte são emoções fortes, poderosas paixões que encontrariam na expressão artística a sua resolução. Dessa forma, a arte teria, segundo o autor, funções tanto psicológicas quanto biológicas. Vygotsky (2001, p. 57) diz que "A arte é trabalho do pensamento, mas de um pensamento emocional inteiramente específico [...]" e acrescenta mais adiante:

[...] a arte parte de determinados sentimentos vitais mas realiza certa elaboração desses sentimentos [...] que consiste na catarse, na transformação desses sentimentos em sentimentos opostos, nas suas soluções [...]. (VYGOTSKY, 2001, p. 309).

A refundição das emoções fora de nós realiza-se por força de um sentimento social que foi objetivado, levado para fora de nós, materializado e fixado nos objetos externos da arte, que se tornaram instrumentos da sociedade. (VYGOTSKY, 2001, p. 315).

A arte [...] rompe o equilíbrio interno [...]. (VYGOTSKY, 2001, p. 316).

E ainda, influenciado por Rank e Sachs, autores de inspiração psicanalítica, profere:

O prazer propiciado pela criação artística atinge o ponto culminante quando ficamos quase sufocados de tensão, com o cabelo em pé de medo, quando as lágrimas rolam involuntariamente de compaixão e simpatia. Tudo isso são relações que evitamos na vida e estranhamente procuramos na arte. (VYGOTSKY, 2001, p. 83).

Separada do trabalho, em si mesma, a arte faz a mediação entre o sujeito, o mundo e as emoções que ela suscita ao mesmo tempo em que é objeto sobre o qual o sujeito age. De acordo com Vygotsky, para se perceber e compreender a arte é preciso perceber as contradições do mundo real. Em relação à percepção, o autor diz que o mundo é percebido não apenas como cores e formas, mas com sentido e significado:

[...] toda percepção humana consiste em percepções categorizadas ao invés de isoladas. [...] A transição, no desenvolvimento para formas qualitativamente novas, não se restringe a mudanças apenas na percepção. A percepção é parte de um sistema dinâmico de comportamento; por isso, a relação entre as transformações dos processos perceptivos e as transformações em outras atividades intelectuais é de fundamental importância. (VYGOTSKY, 1989, p. 37-38).

Dentre as modalidades artísticas, o teatro é particularmente interessante quanto às possibilidades de interação, internalização da cultura, uso da palavra e expressão afetiva. A realização de atividades teatrais pode ser de grande valia no desenvolvimento da criança e do adolescente. A seguir, apresenta-se algumas características do teatro que se entende válidas para sua realização no âmbito escolar.

Teatro e Educação

No mundo contemporâneo, no qual as desigualdades sociais e econômicas tornam-se cada vez mais acentuadas nos países em desenvolvimento, a arte tem sido tratada como algo supérfluo. Porém, a experiência artística é uma necessidade de todo ser humano, como afirma Vygotsky (2001). Na escola, o ensino de artes tem priorizado as artes visuais, ainda que pouco a pouco a dança, o teatro e a música venham ganhando espaço.

Trabalhar com essas outras modalidades artísticas envolve o estímulo de outras percepções sensoriais e regiões do cérebro. A música necessita de atenção, uso da audição, exercício intenso, seja para cantar ou para tocar um instrumento. A dança, os movimentos musculares organizados e controlados, o ritmo, a atenção ao conjunto ou à música, a organização espacial. O teatro usa a linguagem verbal e corporal, a memorização, a atenção, também a organização espacial. Todas exigem a interação social e fazem parte da cultura. Todas implicam a mobilização de aspectos cognitivos, afetivos, sociais e motores dos sujeitos; implicam ainda em aprendizagens, exercício repetitivo, construção de conhecimento. Em especial, pretende-se, aqui, tratar da arte do teatro.

A palavra teatro, em sua origem grega theatron, significa o lugar de onde se vê e, para Aristóteles, o teatro permitia conhecer, e conhecer além da superfície. Para o pensador grego, o teatro tinha a qualidade de ensinar às pessoas a enxergarem além do discurso, além das aparências, a ver o que estava encoberto, nas profundezas (GUENON, 2004). Tal conhecimento, entretanto, não ocorre de um momento para o outro. É uma construção lenta e é importante começar ainda na infância o aprendizado de ver além das aparências. Vygotsky parece concordar com Aristóteles, quando diz:

De igual maneira é possível e exeqüível o pós-efeito cognitivo da arte. Uma obra de arte vivenciada pode efetivamente ampliar a nossa concepção de algum campo de fenômenos, levar-nos a ver esse campo com novos olhos, a generalizar e unificar fatos amiúde inteiramente dispersos. É que, como qualquer vivência intensa, a vivência estética cria uma atitude muito sensível para os atos posteriores e, evidentemente, nunca passa sem deixar vestígios para o nosso comportamento. (VYGOTSKY, 2004, p. 342).

Segundo Vygotsky (1932), o ator não precisa experimentar determinadas situações para poder sentir uma emoção e reproduzi-la no teatro. As emoções são construídas socialmente e estão dispersas por todas as situações e lugares percebidos via sentidos do sujeito, que é ator na sociedade em que vive e ator no palco. O sujeito compreende o significado das emoções e quando e como ele as "utiliza" ou as sente. Assim, o ator percebe e constrói seus esquemas de comportamento de acordo com as situações e experiências vividas por outros e os transporta para sua atuação no palco.

A interação social na atividade teatral acontece em diversas dimensões. Há a interação entre ator e escritor do texto através do próprio texto, entre atores, diretor, técnicos e outras pessoas envolvidas na montagem de uma peça, entre os atores durante a representação, enfim, entre sujeitos com diferentes papéis. Uma, contudo, é muito peculiar: há uma espécie de diálogo entre ator e plateia, por meio do qual o ator aprende a conduzir os gestos, as palavras, o olhar. A reação da plateia, para onde ela olha, se boceja ou dorme, se ri nas horas "certas" ou "erradas", configura para quem está no palco uma resposta às suas ideias e conceitos sobre o ser humano, sobre seu caráter, fragilidades, sua força. Diferentemente da televisão, na qual a distância entre o ator e a plateia é maior e este não pode, imediatamente, perceber, sentir, ver, a reação de quem o assiste. No teatro há um aprendizado de uma linguagem própria desta arte, que expressa o sentimento de quem assiste, seja via calor do aplauso ou pela emoção que parece se concretizar e emanar da plateia ao palco, e vice-versa.

Na escola, o teatro pode oferecer um amplo espectro de situações e oportunidades de aprendizagem e conhecimento. Uma característica importante é o uso que faz da linguagem. No teatro a palavra é, de certa forma, manipulada em relação ao sentido e associada a imagens. Mas a palavra, sozinha, pode suscitar inúmeras imagens na mente de quem as ouve enquanto que uma imagem, ainda que suscite muitas interpretações, por si, é fechada. O ensino das artes visuais tem, como um de seus objetivos, desvelar a informação contida na imagem. No teatro, desvela-se a informação da voz, do corpo, do gesto, da ação, da emoção do ator. É necessário que tanto o ator como o público aprendam a organizar logicamente todas essas informações para compreenderem o significado do espetáculo teatral e para se comunicarem entre si. Essas informações, antes de chegarem ao palco, estão presentes na sociedade, são construídas nela e nas relações que nela se estabelecem. Há, então, um processo até certo ponto intuitivo pelo qual ator e plateia aprendem um com o outro sobre a realidade que os cerca.

Vygotsky (2004) nos diz que a experiência pessoal do educando é a base do processo pedagógico, que "a educação se faz através da própria experiência do aluno, a qual é inteiramente determinada pelo meio, e nesse processo o papel do mestre consiste em organizar e regular o meio" (p. 67). O professor precisa organizar atividades que permitam a experiência direta dos alunos com os objetos do conhecimento e ao mesmo tempo o estimulem a aprender.

O teatro é uma atividade coletiva, que implica respeito às regras, respeito ao outro, trocas de pontos de vista, decisões conjuntas, divisão de tarefas. A atividade teatral age, portanto, na ZDP, em situação de interação e cooperação entre a criança e seus colegas com a supervisão do professor e cria, por outro lado, novas ZDPs. Japiassu (1998), segundo sua pesquisa com atividades teatrais na escola pública, afirma:

As implicações escolares-educacionais e pedagógicas do paradigma histórico-cultural do desenvolvimento humano, nas quais se insere a proposta de ensino do Teatro apresentada com o presente trabalho, assinalam a importância do que se pode fazer com ajuda de outros mais capazes e experientes e o que se faz sozinho, entregue à resolução solitária de problemas, ou ao isolamento cultural em determinado grupo social. A qualidade das interações intersubjetivas, culturalmente mediadas, interferem decisivamente no processo de constituição dos sujeitos. (JAPIASSU, 1998, p. 9).

Ao explicar a ZDP e o desenvolvimento infantil, Vygotsky cita Piaget:

Piaget e outros demonstraram que, antes que o raciocínio ocorra como uma atividade interna, ele é elaborado, num grupo de crianças, como uma discussão que tem por objetivo provar o ponto de vista de cada uma. Essa discussão em grupo tem como aspecto característico o fato de cada criança começar a perceber e checar as bases de seus pensamentos. Tais observações fizeram com que Piaget concluísse que a comunicação gera a necessidade de checar e confirmar pensamentos, um processo que é característico do pensamento adulto. Da mesma maneira que as interações entre a criança e as pessoas no seu ambiente desenvolvem a fala interior e o pensamento reflexivo, essas interações propiciam o desenvolvimento do comportamento voluntário da criança. Piaget demonstrou que a cooperação fornece a base para o desenvolvimento do julgamento moral pela criança. (VYGOTSKY, 1989, p. 101).

Assim, na interação e cooperação entre seus iguais, a criança percebe seus próprios pensamentos e os compara aos pensamentos dos outros, coloca-se no lugar do outro; um processo desencadeado pelo fenômeno da alteridade, que possibilita a empatia.

Representar um personagem é também colocar-se no lugar de outro, é criar possibilidades de trabalhar e compreender a diversidade, as diferenças, as semelhanças, o ser e o vir a ser; é poder perceber a si e ao outro como sujeitos no mundo, como agentes de transformação da sociedade (COURTNEY, 1990).

O teatro é extremamente motivador para crianças e adolescentes; afeta-os nos aspectos emocional, cognitivo, motor e social. Exige também mobilização da atenção, da percepção e da memória, compreensão textual, capacidade de jogar com as palavras; trabalha a expressividade e a imaginação. Esses aspectos referentes à realidade juvenil são comumente desconsiderados como significativos. Por isso, em relação ao desenvolvimento infantil, Vygotsky (1989) se posiciona:

Porém, se ignorarmos as necessidades da criança e os incentivos que são eficazes para colocá-la em ação, nunca seremos capazes de entender seu avanço de um estágio de desenvolvimento para outro, porque todo avanço está conectado com uma mudança acentuada nas motivações, tendências e incentivos. (p. 105).

Vygotsky discorria, no capítulo em que se inclui esta passagem, a respeito do brinquedo. Contudo, pode-se entender este argumento como válido para todo o processo de desenvolvimento infantil. A criança precisa ser motivada se queremos que avance, que se interesse pela escola, pelos conteúdos e atividades escolares.

Em outros textos, em relação ao brincar, Vygotsky diz que "Do ponto de vista genético, imaginação na adolescência é a sucessora do brinquedo infantil" (1994, p. 275). E, ainda, que "no brinquedo a criança cria uma situação imaginária" (VYGOTSKY, 1989, p. 107). Esse fato torna-se evidente nas atividades teatrais com pré-adolescentes e adolescentes. Transparece algo similar ao jogo simbólico, à brincadeira de faz de conta. O prazer dos jovens em relação à interpretação de personagens, à atuação, parece ser um misto de brincar, relacionar-se com o sexo oposto, construir sua personalidade, expressar-se afetivamente e agir criativamente.

A fantasia é um dos meios que o adolescente encontra para expressar a sua rica vida emocional interna e seus impulsos bem como para direcioná-los e modulá-los. Além de servir à esfera emocional, a fantasia também opera em um canal de criatividade objetiva.

Onde a criação de algum tipo novo de estrutura concreta, um novo quadro da realidade, de uma corporificação criativa de algum tipo de idéia, torna-se indispensável para o processo de compreensão ou para o processo da atividade prática, lá encontramos a fantasia adiantando-se como uma função básica. [...] Fantasia é uma das manifestações criativas do homem, e isto é especialmente verdadeiro na adolescência, quando a união com o pensamento em conceitos ocorre e passa por desenvolvimentos significativos neste aspecto objetivo. Ambos os canais se encontram em estado complexo de entrelaçamento e ambos cooperam e influenciam no desenvolvimento da imaginação. (VYGOTSKI, 1994, p. 285)

A imaginação passa, na adolescência, a se utilizar das palavras, abandonando gradualmente as imagens. Esse fato permite que o teatro seja um meio interessante para produção de sentido das palavras e formação de conceitos. Instigar os alunos a imaginar e criar situações, lugares, tempos, personagens, reproduzir sua criação verbal e corporalmente, movendo-se no espaço e interagindo com os colegas, e relacionar o criado aos conteúdos escolares é instigá-los a pensar e agir sobre o mundo.

A elaboração da fala, da linguagem utilizada, da expressão emocional verbalizada pode propiciar conscientização e melhor compreensão da língua, das palavras, seus sentidos e significados e dos conceitos científicos. Pela linguagem tem-se acesso ao conhecimento científico elaborado e acumulado pela sociedade e socializado na escola. É possível, com o teatro, aprender conteúdos de diversas disciplinas escolares. História, geografia, literatura, idiomas e, particularmente, língua portuguesa podem ser trabalhados de uma maneira atraente e interessante tanto para o aluno como para o professor.

Assim, o teatro, no uso da linguagem, de ações nas representações, na mobilização da imaginação e da criatividade, na realização em determinado tempo e espaço e com determinados sujeitos é um universo peculiar de interação social e de manifestação da cultura que pode cumprir diferentes objetivos.

Conclusão

Vygotsky foi um homem apaixonado por arte. Participou de grupos de discussão sobre teatro e foi ele mesmo um crítico de teatro. Seus escritos sobre a importância da arte, da emoção e apreciação estéticas, são fruto não apenas de análises de teorias elaboradas por pesquisadores de seu tempo, mas também de uma vivência pessoal com o teatro, a poesia, a música, as artes plásticas. Ele se emocionava profundamente com os objetos de arte, isto está claro quando fala deles. Só alguém que conhece os efeitos da arte na própria alma pode argumentar com tanta clareza sobre ela.

A expressão artística, afirmou Vygotsky, é uma necessidade intrínseca do ser humano. Além de se tornar meio de externar positivamente emoções e sentimentos como ansiedade, agressividade, medo, raiva, angústia, as atividades artísticas podem ser trabalhadas de modo que os sujeitos conheçam melhor aos outros e a si mesmo, criando condições para a reflexão a respeito das próprias atitudes e possibilidades de mudança na convivência social.

Inserido na escola, o teatro pode revelar-se um instrumento educativo poderoso. Há muitos trabalhos voltados para a atividade teatral com crianças entre 5 e 11 anos de idade e adolescentes a partir de 14 anos (HAMED, 2007; HAUER, 2005; MACHADO, 2004; CHRISTOV, 2004; MEYER, 2002; JAPIASSU, 1998). Parecem ser em menor número os professores que levam atividades teatrais para alunos entre 11 e 14 anos. Porém, estes encontram-se precisamente na fase apontada por Vygotsky como aquela em que ocorre uma grande transformação na forma de pensar. O teatro pode ser, também para essa faixa etária, um instrumento e estímulo importante na construção do conhecimento por esses alunos e no seu desenvolvimento. Trabalhar com atividades teatrais, propiciar esta experiência tão especial, implica em mobilizar capacidades e habilidades para a vida do aluno, na escola e fora dela.

Não se pretende dizer que o teatro ou qualquer outra atividade artística sejam os redentores da humanidade ou da escola. Mas, de qualquer modo, a arte é um elemento fundamental para a vida e que pode contribuir na construção de uma sociedade composta de cidadãos que saibam situar-se integralmente entre as suas dimensões afetiva e cognitiva.

REFERÊNCIAS

Educar em Revista - UFPR

Os maiores mitos sobre o cérebro dos adolescentes

Nas últimas duas décadas, os cientistas conseguiram mapear as mudanças neurais verificadas ao longo desse período central do desenvolvimento...