domingo, 15 de março de 2009

O que há com nomes em latim?

FOTOGRAFIA DE FLYNN LARSEN; ILUSTRAÇÃO DE MATT COLLINS
O talento especial por trás das espécies e gêneros
por Steve Mirsky

O papa-léguas é classificado como Geococcyx californianus. O menor, como Geococcyx velox. E aquele mais familiar, do desenho animado (bip, bip), foi designado em ocasiões diferentes como Accelerati incredibilus, Velocitus tremenjus, Birdibus zippibus, Speedipus rex e Morselus babyfastious tastius. E quem fracassa em suas tentativas de apanhá-lo é Wile E. Coyote, ele próprio classificado como um representante das espécies Carnivorous slobbius, Eatius birdius, Overconfi dentii vulgaris, Poor schinookius ou Caninus nervous rex. (Os coiotes reais são Canis latrans, o que soa como um banheiro usado por legionários romanos.)

Então a quem nós, e as figuras do desenho animado, temos a agradecer por criar as regras que levaram a todo esse pomposo humor alatinado? A ninguém menos que o naturalista sueco Carl Linnaeus, que era tão apaixonado por nomear coisas que deu a si mesmo alguns outros: Carl Linné, Carl von Linné, Carolus Linnaeus e Caroli Linnaei, nomes pelos quais propôs o sistema padrão de gênero das espécies da nomenclatura taxonômica binominal, ainda usada para registrar toda a vida existente. O ano de 2007 foi o do tricentenário do nascimento de Linnaeus, o que mostra que a contribuição de algumas pessoas dá a elas uma vita postmortem que não é nada brevis.

O jornalista e fofoqueiro americano H. L. Mencken fez um involuntário tributo à classificação de Linnaeus quando apelidou grande parte da população americana de Boobus americanus. (Não se preocupe. São os outros, não você.) Mencken descreveu o perpetuamente mistificado B. americanus como “um pássaro que desconhece a estação proibida”, o que coincidentemente descreve o Papa-Léguas, também conhecido como Disappearialis quickius. Mencken, por falar nisso, cobriu o famoso caso Scopes, no qual o Homo sapiens tratou a idéia de estar relacionado ao Gorilla gorilla e ao Pan troglodytes como se fosse uma infecção da Yersinia pestis.

Entre os muitos comentários enérgicos sobre o H. sapiens, está o de que “um idealista é alguém que, sabendo que uma rosa cheira melhor que um repolho, conclui que ela também dará uma sopa melhor”. E, na verdade, misturando qualquer uma das numerosas espécies do gênero Rosa com Brassica oleracea do grupo Capitata, fica ainda mais aloprado (Bertholetia excelsa) em latim. Prevenir a confusão é uma razão pela qual o sistema de Linnaeus é tão útil: o presidente francês pode chamá-lo um “moineau”, o rei da Espanha Juan Carlos, de um “gorrión”, e o vice-presidente americano Dick Cheney pode (ou não) bradar “explosão à frente!” antes de abatê-lo do céu, mas o pássaro em questão seria reconhecível por todos os seus conselheiros científicos como Passer domesticus. Que também é conhecido em inglês como um pardal doméstico. E por não terem os nomes comuns das espécies a autoridade das designações oficiais de Linnaeus, mesmo dentro de uma mesma língua, o pardal doméstico é conhecido também em inglês como o pardal inglês. Algum taxonomista pode ajudar?

Os dois grandes trabalhos gêmeos de Linnaeus foram o Species planterum, de 1753, no qual classificou toda espécie conhecida de vegetação, e o Systema naturae, de 1758, que celebra 250 anos este ano e foi o primeiro esforço importante de organização do mundo animal. O verbete sobre Linnaeus na Wikipedia nota que, por ter o hábito de nomear todas as coisas vivas que encontrava, “pensava em si mesmo como um segundo Adão”. A capa de Systema naturae mostra um homem, presumivelmente Linnaeus, atirando títulos latinos a “novas criaturas enquanto são criadas no Jardim do Éden”. Ele não era um membro em extinção do gênero Viola.

Linnaeus parece ter ocasionalmente abusado de seu poder apelativo. O Jardim Botânico de Nova York, que em novembro passado fez uma rara exibição pública da própria cópia anotada por Linnaeus de seu Systema naturae, ressalta em seu website que “ele se vingou de seus críticos dando seus nomes a plantas e animais desagradáveis. Por exemplo, nomeou a Siegesbeckia, erva daninha sem atrativos que exala um líquido de mau cheiro, por causa do botânico alemão Johan Siegesbeck”. Linnaeus seria assim provavelmente um pé no Scrotum. Mas sem ele, a biologia poderia não ter se tornado uma ciência respeitável.

Scientific American Brasil

Primórdios da educação entre os homens


O papel dos conhecimentos culturais primários na revitalização permanente do desenvolvimento humano
por Aziz Nacib Ab`Sáber
É sempre muito oportuno tecer considerações sobre a temática das relações entre a educação e o desenvolvimento cultural dos seres humanos. Nosso ponto de partida baseia-se em observações feitas pelo saudoso Roger Bastide (1898-1974).

Encarregado de um curso sobre sociologia educacional na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, mestre Bastide iniciou sua fala explicando que, ao ser indicado para o referido tema, vasculhou a pequena estante de livros de sua casa em São Paulo, à procura de uma obra especial, que servisse de apoio para preparar suas aulas. E, assim, pinçou da prateleira um dos trabalhos essenciais de Marcel Mauss, La sociologie des animaux.

Nesse trabalho o autor sublinhou que o homem é o único ser vivo do planeta capaz de retraçar a história da espécie, em tempos e espaços diferentes (e pode-se completar que a recuperação de fatos e valores culturais se adentra pela pré-história), enquanto os animais nunca puderam saber nada dos itinerários históricos de seus pares.

Roger Bastide nos explicava, com um ligeiro sorriso, que “as minhocas do Brasil não podem saber que existem parentes na África”... E que, apesar das atividades rotineiras e sociais de algumas espécies, “nunca houve a possibilidade de conhecer qualquer fato de seu desenvolvimento biológico e histórico”.

A partir dessas importantes constatações, abre-se a oportunidade de discutir o papel da educação na projeção dos conhecimentos culturais primários dirigidos para a revitalização permanente do desenvolvimento social e cultural dos seres humanos. A progressiva criação de palavras aplicadas a fatos da Natureza e das comunidades sociais foi o primeiro grande feito. Desde tempos imemoriais, em lugares e conjunturas socioambientais diferentes, o homem deu nomes próprios para a Natureza. Envolvendo um vocabulário descritivo e criativo de fácil propagação sobre árvores, frutos e plantinhas, pássaros, animais terrestres, peixes e frutos do mar. Além de palavras para indicar feições da Natureza regional, de um modo integrado entre as formas físicas e os revestimentos vegetais, como a presença de animais característicos. Em um padrão de conhecimento prévio e prático, aproximando-se muito da estrutura de ecossistemas (Darrel Posey). Tudo se complementando pelo organismo e metabolismo do corpo humano em cotejo com a constituição orgânica dos animais de todos os tipos, obtidos na caça. Conhecimentos sobre questões de gênero, incluindo potencialidades e reconhecimento de atividades mais adequadas. Em um processo evolutivo que ao longo de tempos imensos – em cada porção habitada do mundo – conduziu os agrupamentos humanos para um padrão notoriamente gregário, de onde emergiu o conceito de família. E um sistema integrado de educação para os filhos, sem qualquer viés de especialidade.

Existe uma unanimidade entre os antropólogos sobre o caráter rotineiro da transmissão dos conhecimentos para as crianças, desde tenra idade. Em uma convivência prazerosa e brincalhona aprende-se um pouco de tudo, a partir dos mais experientes. Valores tribais ancestrais, valores de uma tecnologia singela. Um processo educacional feito na gruta ou na oca, mas preferencialmente na clareira do terreno comunitário, na participação de eventos festivos, à beira do rio ou na ponta de praias, durante o banho. Crianças sorridentes, treinando o lançamento de flechas, esperando o seu dia de acompanhar os adultos nas trilhas pelas matas, territórios de caça e coleta. Conseguindo-se assim um conhecimento global de valores e princípios, destacados de imensa e inimitável originalidade, em uma longa época em que somente existia a oralidade, sem os impactos da linguagem escrita, conseqüência inusitada dos contatos entre grupos humanos para troca de alimentos, mercadorias e utensílios típicos de cada comunidade pré-histórica – fato que justificou a origem primeva de aldeias e pequenas cidades onde se realizava o escambo tradicional de homens procedentes de hábitats diferentes (Karl Marx).

O lento desenvolvimento da educação primária entre os seres humanos constituiu um tipo de pré história longa ocorrida desde que surgiram os Homo sapiens, até que emergiram as primeiras civilizações no Oriente Médio (sobretudo no Crescente Fértil), Egito e Ásia do sul e sudeste. O Brasil é um país privilegiado porque ainda possui grupos humanos remanescentes da pré-história. Fato que nos impõe uma imensa responsabilidade cultural e política na proteção dos que sobreviveram de uma longa história humana, designada simploriamente de pré-história.

Aziz Nacib Ab`Sáber é professor emérito da FFLCH/USP e professor honorário do Instituto de Estudos Avançados/USP.

Scientific American Brasil

Células-tronco, embriões e a constituição



O desafio é desenvolver as pesquisas com embriões humanos de forma ética e transparente
por Lygia da Veiga Pereira
Como é que as células-tronco (CTs) embrionárias foram parar no Supremo Tribunal Federal, junto com traficantes, mensaleiros e sangues-sugas? Não eram elas a grande promessa terapêutica do século 21? Sim! Porém, seu uso envolve a destruição de um embrião humano, criando a possibilidade de violar o artigo 5o de nossa constituição, que garante “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida”.

As embrionárias são o tipo mais versátil de CTs até hoje identificadas em mamíferos, com a capacidade de dar origem a todos os tecidos do corpo. Desde a década de 80 se fazem pesquisas com as CTs embrionárias de camundongos, e hoje sabemos como transformá-las em células cardíacas, em neurônios, entre outras, que quando transplantadas em animais doentes são capazes de aliviar os sintomas de diversas doenças, de Parkinson a paralisia causada por trauma da medula espinhal.

A partir de 1998, com o estabelecimento das primeiras CTs embrionárias humanas, as pesquisas se voltaram à geração de tecidos para o tratamento daquelas doenças em seres humanos. Porém, como essas pesquisas exigem a destruição de um embrião de 5 dias – um conglomerado de aproximadamente 100 células –, uma nova polêmica surgiu no mundo todo: esse embrião é uma vida humana ou não?

Ora, é claro que ele é uma forma de vida, assim como um feto, um recém-nascido e um idoso também são. A real questão é “que formas de vida humana nós permitiremos perturbar?”. A “vida” mencionada na nossa Constituição já é legalmente violada em algumas situações: por exemplo, no Brasil reconhecemos como morta uma pessoa com morte cerebral, apesar de seu coração ainda bater. Essa é uma decisão arbitrária e pragmática, que nos facilita o transplante de órgãos. E no outro extremo da vida humana, durante o desenvolvimento embrionário? Ao proibirmos o aborto estabelecemos ser inaceitável a destruição de um feto. Por outro lado, se esse feto for o resultado de um estupro ou representar risco de vida para a gestante, no Brasil ele passa a ser uma forma de vida humana que pode ser eliminada. Porém, no que diz respeito às CTs embrionárias, o embrião em questão é muito mais jovem, ainda não tem forma e está numa proveta, e não implantado no útero.

Notem que, ao aceitarmos as técnicas de fertilização in vitro (os “bebês de proveta”), aceitamos a criação desses embriões, que muitas vezes sobram, não são utilizados pelo casal e ficam esquecidos em congeladores. Foi muito conveniente ignorar esses embriões excedentes, pois afinal essa técnica permite que milhares de casais realizem o sonho de ter filhos. Já o uso desses embriões para tratar um enfarte ou ajudar um paralítico a recuperar os movimentos ainda está restrito a animais de laboratório. Talvez no dia em que as CTs embrionárias estiverem efetivamente sendo utilizadas em pacientes seja mais difícil argumentar contra o uso terapêutico daqueles embriões congelados. Mas esse dia só chegará se pudermos fazer pesquisa.

No Brasil a polêmica do uso do embrião humano foi resolvida na Lei de Biossegurança de 2005, que permite a utilização para pesquisa de embriões inviáveis ou que estejam congelados há pelo menos 3 anos – tempo para o casal refletir bastante antes de decidir doar aqueles embriões para pesquisa. É uma solução ponderada, que permite o desenvolvimento das pesquisas com CTs embrionárias no país. A não ser que o STF entenda que essa lei é inconstitucional e a revogue, interrompendo essas pesquisas aqui.

Em conclusão, o STF não deverá julgar se as CTs embrionárias são piores ou melhores do que as adultas – essa dicotomia não se aplica, pois precisamos pesquisar todos os tipos de CTs – nem se aquele embrião é vida ou não. Ele é uma forma de vida humana, mas provavelmente não um brasileiro ou estrangeiro residente no país aos quais a Constituição garante “inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Nosso desafio é desenvolver as pesquisas com embriões humanos de forma ética e transparente, e, se por um lado não considero aquele embrião de 5 dias equivalente a uma pessoa nem a um feto, também não o considero somente um conglomerado trivial de células. Precisamos de legislação e vigilância, como as que evitam o comércio de sangue ou órgãos e ao mesmo tempo permitem que milhões de vidas sejam salvas com transplantes. Com a Lei de Biossegurança, o Brasil tem a oportunidade de ter uma vantagem competitiva na promissora área de estudos com CTs embrionárias. Depois de tantos anos de investimento em pesquisa, temos os cérebros, temos a infra-estrutura, mas precisamos da lei.

Lygia da Veiga Pereira é professora livre-docente e chefe do Laboratório de Genética Molecular do Instituto de Biociências da USP e autora dos livros Clonagem: da ovelha Dolly às células-tronco e Seqüenciaram o genoma humano... E agora? (Editora Moderna).

Scientific American Brasil

Saúde básica para todos


Dez soluções para garantir serviço fundamental a um custo quase insignificante
por Jeffrey Sachs
Um recente relatório da UNICEF sobre mortalidade infantil apresenta dados perturbadores, mas, surpreendentemente, também traz um pouco de esperança. O choque é que 9,7 milhões de crianças com menos de cinco anos morreram em 2006. A boa notícia que essa estatística desoladora traz é que, de fato, esse número representa uma queda em relação aos 12,7 milhões em 1990, dentro de uma população de aproximadamente 630 milhões de crianças com menos de cinco anos para ambos os períodos. Uma notícia ainda melhor é que as outras quase 10 milhões de mortes são quase que totalmente evitáveis, a baixo custo, de uma forma que aliviará em vez de exacerbar as pressões sobre os países pobres.

Quase todas as mortes (aproximadamente 98%) ocorrem nos países em desenvolvimento. Esses casos são o resultado de situações de extrema pobreza e de sistemas de saúde precários em países pobres. As causas da mortalidade refletem as condições de vida inseguras dos pobres (como a vulnerabilidade a doenças tropicais, água potável duvidável e poluição do ar interna) e a falta de acesso a serviços de saúde preventivos e curativos. Os principais colaboradores para as altas taxas de mortalidade são os óbitos que ocorrem nos primeiros 28 dias depois do nascimento, provocados por diarréia (em razão do consumo de água infectada), infecções respiratórias (geralmente provocadas pelo uso de fornos a lenha), malária e doenças que podem ser evitadas com a administração de vacinas. Estima-se que em torno de metade de todas as mortes apresenta como co-fator uma subnutrição crônica.

Há 60 anos, no lançamento da Organização Mundial de Saúde, os governos mundiais declararam a saúde como direito humano fundamental, “sem distinção de raça, religião, crença política, condição social ou econômica.” Há trinta anos, em Alma Ata, os governos do mundo pediram saúde para todos até o ano 2000, principalmente através da expansão do acesso a instalações e serviços de saúde básica. Embora o mundo tenha de longe deixado de atingir esse alvo, podemos ainda chegar a ele, a custos muito baixos. Dez passos básicos podem levar à saúde para todos nos próximos anos.

Primeiro: países ricos deveriam investir 0,1% de seus produtos internos brutos para cuidados com saúde nos países de baixa renda. Com o PIB do mundo rico de U$ 35 trilhões, isso criaria um fundo de cerca de U$ 35 bilhões por ano – o bastante para U$ 35 per capita em serviços adicionais para cerca de um bilhão de pessoas.

Segundo: metade do acréscimo deveria ser canalizada para o Fundo Global de Combate a Aids, Tuberculose e Malária. O Fundo Global provou ser uma instituição altamente eficaz, com mínimo de burocracia e máximo impacto. Apoiou a distribuição de aproximadamente 30 milhões de redes anti-malária, ajudou a colocar cerca de um milhão de africanos em tratamento anti-retroviral e a curar mais de duas milhões de pessoas com tuberculose.

Terceiro: países de baixa renda deveriam destinar 15% de seus próprios orçamentos à saúde. Considere um país pobre onde a renda média anual é de U$ 300. O orçamento total nacional pode estar em torno de 15% do PIB, mais ou menos U$ 45 per capita. Quinze por cento desta soma destinada à saúde chegaria a U$ 6,75 por pessoa por ano. Não o bastante por si mesmos para fornecer cuidados de saúde adequados, mas que cumpririam a tarefa com os U$ 35 per capita de doações.

Quarto: o mundo deveria adotar um planejamento para o controle abrangente da malária, visando levar a mortalidade pela doença a próximo de zero em 2012, com amplo acesso a redes anti-malária, borrifamento de lares, quando apropriado, e remédios eficazes quando a doença atacasse.

Quinto: os países ricos deveriam seguir em seu antigo e realizável compromisso de assegurar acesso a anti-retrovirais para todas as pessoas infectadas pelo HIV até 2010.

Sexto: o mundo deveria preencher uma carência de financiamento de cerca de U$3 bilhões por ano para um controle amplo da tuberculose – outra área na qual há muito tempo se provou que as intervenções são eficazes, mas onde há falta crônica de fundos.


Sétimo: o mundo deveria garantir, com uns poucos bilhões de dólares por ano, o acesso dos mais pobres entre os pobres aos serviços de saúde sexuais e de reprodução, incluindo planejamento familiar, contracepção e cuidados obstétricos de emergência.

Oitavo: o Fundo Global poderia oferecer cerca de U$ 400 milhões por ano para o controle amplo de diversas doenças tropicais (principalmente as infecções por vermes), que ocorrem virtualmente nas mesmas regiões onde a malária é endêmica.

Nono: o Fundo Global poderia abrir um novo mecanismo de financiamento para incentivar o cuidado primário de saúde, incluindo – o mais importante – a construção de clinicas e a contratação e treinamento de enfermeiras e trabalhadores comunitários de saúde.

Décimo: ao usar recentes conquistas na medicina e na saúde pública os sistemas de saúde expandidos nos países mais pobres poderiam estar equipados para lidar com doenças não comunicadas e há muito negligenciadas, mas que podem ser tratadas a custo baixo, como hipertensão, catarata e depressão.

Estes passos simples poderiam salvar a vida de 10 milhões de crianças e adultos por ano, a um custo quase imperceptível para as nações mais ricas. Essas medidas ainda iriam reduzir, e não acelerar, o crescimento populacional em regiões empobrecidas, diminuindo as tensões econômicas e ambientais que populações crescentes estão impondo a elas. A saúde para todos não é apenas o imperativo moral que era no lançamento da Organização Mundial de Saúde há 60 anos - é também a melhor pechincha prática no planeta.


Jeffrey Sachs é diretor do Earth Institute da Universidade de Columbia (www.earth.columbia.edu).

Scientific American Brasil

domingo, 1 de março de 2009

Inteligência sintética e tecnologia

Para chegar à sua essência, é preciso articular conceitos diversos, da filosofia à matemática, passando pela neurolingüística
por Paulo Seleghin Junior
A construção de máquinas inteligentes fascina a humanidade desde tempos imemoriais. Entretanto, apenas recentemente, com o surgimento do computador moderno, é que a inteligência artificial ganhou meios e massa crítica para se estabelecer como ciência

integral, com problemáticas e metodologias próprias. Desde então, seu desenvolvimento tem extrapolado os clássicos programas de xadrez ou de conversação e envolvido áreas como visão computacional, análise e síntese da voz, lógica difusa, redes neurais artificiais e muitas outras. Consolidou-se a idéia de que uma inteligência essencialmente humana, porém artificial, poderia emergir da integração de um grande número desses programas, implementados numa arquitetura de processamento especial, possivelmente inspirada no funcionamento das células de nosso cérebro.

Desse ideário surgiram as fantásticas histórias de Isaac Asimov, cujos robôs e seus cérebros "positrônicos" eram eternos e possuíam aptidões super-humanas. E, de fato, isso foi feito; algoritmos extremamente complexos foram implementados em máquinas de altíssimo poder de processamento e capacidade de memória, porém com resultados modestos diante das expectativas originais. Hoje é aceito que essa abordagem conduz a uma inteligência sintética em essência, e não artificialmente humana, refletindo apenas um subconjunto das habilidades intelectuais dos pesquisadores envolvidos no trabalho. Isso decorre de uma questão ainda não resolvida: o que é inteligência? Provavelmente uma resposta satisfatória só poderá ser obtida articulando-se conceitos de natureza filosófica e conhecimento de áreas tão distintas quanto a matemática computacional e a neurolingüística, o que necessariamente implica descrever nossa inteligência em todas as suas dimensões.

Mas, polêmicas à parte, a inteligência sintética certamente representa uma das grandes realizações científicas de nosso tempo, capaz de modificar profundamente as sociedades tecnológicas da atualidade. Essas modificações ocorrerão à medida que desenvolvimentos concorrentes em áreas como a microeletrônica e novos materiais forem associados aos algoritmos da inteligência sintética, não para reproduzir a inteligência humana, mas para obter máquinas e sistemas dotados de aptidões inteligentes. Um bom exemplo disso são as chamadas línguas eletrônicas, desenvolvidas para "degustar" produtos químicos e determinar sua composição, da mesma forma como faria um degustador humano numa vinícola ou numa torrefação. Este degustador eletrônico poderia ser instalado em bombas de abastecimento de combustível para fins de controle da qualidade (ligado à internet permitiria uma blitz virtual) ou em veículos multicombustível, que poderiam se adaptar a uma gama muito maior de misturas (diferentes tipos de óleos vegetais, por exemplo). Da mesma forma, toda uma cidade poderia ser controlada por um sistema especialista inteligente que, a partir da identificação de padrões de comportamento de seus moradores, poderia, entre muitas outras coisas, adequar os períodos dos semáforos de forma a otimizar o trânsito ou operar as bombas de abastecimento de água em horários em que o custo da energia elétrica é menor.

Longe da ficção, experiências-piloto mostram que os benefícios podem ser extremamente significativos em termos de redução de emissões poluentes e de congestionamentos, com toda uma miríade de conseqüências positivas, além de redução global de custos operacionais. As possibilidades são muitas e nossa imaginação é o limite.

Paulo Seleghin Junior É professor do curso de Engenharia Mecatrônica e pesquisador do Núcleo de Engenharia Térmica e Fluidos da USP de São Carlos.

Scientific American Brasil

Os maiores mitos sobre o cérebro dos adolescentes

Nas últimas duas décadas, os cientistas conseguiram mapear as mudanças neurais verificadas ao longo desse período central do desenvolvimento...