sábado, 17 de setembro de 2011

Aprendizagem e Cultura Digital

David Buckingham
Os meios digitais têm enorme potencial para o ensino, mas é difícil realizar esse potencial se eles são considerados apenas tecnologias, e não formas de cultura e comunicação


Com freqüência se diz que a tecnologia está transformando profundamente a educação. Ela desafia as definições existentes de conhecimento, oferece novas maneiras de motivar aprendizes relutantes e promete incessantes oportunidades de criatividade e inovação. Há uma longa história de afirmações pretensiosas como essas, que existem desde muito antes do advento dos computadores. Os primeiros defensores do uso de filmes e da televisão na educação, por exemplo, fizeram previsões similarmente fantásticas de que esses meios trariam mudanças profundas na natureza da aprendizagem - e, sem dúvida, de que a própria escola em breve se tornaria redundante.

O atual interesse em inserir computadores nas salas de aula é motivado, sobretudo, por empresas comerciais em busca de novos e previsíveis mercados para seus produtos e por governos aparentemente desesperados para resolver o que consideram problemas da educação pública. Ambos tipicamente advogam uma forma de determinismo tecnológico e uma crença no poder avas­salador da tecnologia. Tal fato, por sua vez, resulta em uma visão instrumental do papel da tecnologia na educação. Ela é vista como um mecanismo neutro de transmissão de informações, e a própria informação é considerada uma espécie de objeto desencarnado que existe de modo independente dos interesses humanos ou sociais. Isso acarretou uma negligência de questões educacionais básicas, não apenas sobre como ensinamos com tecnologia, mas também sobre o que as crianças precisam saber a respeito dela.

A despeito do que dizem os comerciantes, são cada vez mais numerosas as pesquisas que sugerem que o impacto da tecnologia na prática cotidiana dos professores é bastante limitado. Muitos professores resistem ao uso da tecnologia, não por serem antiquados ou ignorantes, mas porque reconhecem que ela não contribui para que eles alcancem seus objetivos. Existem muito poucas evidências convincentes de que o uso da tecnologia em si aumenta o desempenho dos alunos. É claro que alguns professores estão usando a tecnologia de modo bastante criterioso e criativo; porém, na maio­ria dos casos, o uso de tecnologia nas escolas é estreito, sem imaginação e instrumental.

Confrontados com tais evidências, os defensores da tecnologia tendem a dizer que ainda é cedo e que mudanças reais e duradouras virão em breve. Contudo, a tecnologia digital está nas escolas há mais de 25 anos; a prometida revolução ainda não aconteceu, e existem poucos motivos para acreditar que ela acontecerá tão cedo. Não obstante, minha posição não é de total oposição à tecnologia. Creio que ocorreu uma polarização inútil no debate entre os entusiastas ingênuos que vêem a tecnologia como a salvação da educação e os pessimistas lúgubres que alegam que estamos rumando para o inferno tecnológico. Chegou, com certeza, a hora de mudar a abordagem.

O novo divisor digital
Como professor de mídia, um dos meus maiores interesses é a relação entre as culturas e práticas cotidianas das crianças fora da escola e aquelas que elas encontram na sala de aula. Em relação à tecnologia digital, existe hoje uma lacuna significativa - e talvez crescente - entre o que as crianças fazem na escola e o que faz por bigwigmedia/www.em em suas horas de lazer. Isso é o que chamo de novo divisor digital. Apesar do maciço investimento em tecnologia nas escolas e do grande entusiasmo que o tem acompanhado, grande parte do que acontece na educação permanece relativamente intocado pela tecnologia. Fora da escola, no entanto, as crianças estão tendo uma infância cada vez mais saturada de mídia. O seu acesso à tecnologia de mídia aumentou significativamente, e elas estão participando de uma cultura midiática cada vez mais diversa e comercializada - cultura que algumas pessoas têm tido dificuldade para compreender e controlar.

Não estou sugerindo que o antigo divisor digital tenha sido suplantado. Ao contrário, ainda existem significativas desigualdades tanto no acesso à tecnologia quanto nas qualificações e competências que são necessárias para usá-la - desigualdades que as escolas certamente devem abordar. Na verdade, devemos ter cautela com a retórica fácil da chamada "geração digital", ou seja, a idéia de que os jovens estão ativamente se comunicando e criando on-line, já que possuem uma espontânea afinidade com a tecnologia que os mais velhos não têm.

Quando observamos o que as crianças estão fazendo com essa tecnologia fora da escola, fica claro que ela é basicamente um meio para a cultura popular. As crianças que têm acesso a computadores em casa estão usando-os para jogar, surfar nos sites de entretenimento na internet, trocar mensagens instantâneas, participar de redes sociais, baixar e editar vídeos e músicas. Além de tarefas funcionais, como dever de casa, muito poucas estão usando a tecnologia para algo que se assemelhe à aprendizagem escolar. Em contraste, o que elas estão fazendo com a tecnologia nas escolas é muito limitado. A disciplina de tecnologias da informação e comunicação (TIC) trata basicamente de processamento de texto, planilhas e manejo de arquivos - na verdade, o currículo do Microsoft Office. Ela oferece pouco mais do que treinamento de habilidades funcionais sem contexto. Isso não quer dizer que tais habilidades não possam ser importantes para algumas pessoas em determinada etapa de suas vidas, ou mesmo que elas venham a fazer um uso particularmente eficiente desses recursos, embora seja questionável se é realmente necessário que as crianças aprendam isso na escola.

Crescem as evidências de que, em geral, elas consideram o uso da tecnologia na escola aborrecido e pouco imaginativo. Algumas se resignam a isso, identificando-o como um fato inevitável da vida; outras estão claramente descontentes e algumas opõem ativa resistência. Especial­mente para aqueles que estão mais envolvidos com a tecnologia em sua vida diária e que podem optar por empregos com foco na tecno­logia, o uso de tecnologia na escola é visto com freqüência como ir­re­le­vante. Isso não é de surpreender. Historicamente, o ensino escolar tem-se caracteriza­do por uma absoluta rejeição da cultura popular cotidiana dos alunos - e, de fato, existe uma espécie de paranóia sobre a perda de controle do que acontece quando a cultura popular entra no espaço da escola. Nesse sentido, o que estou chamando de novo divisor digital simplesmente reflete uma disjunção histórica mais ampla entre a cultura de lazer cotidiano dos jovens e a cultura da escola.

Abordando o novo divisor digital
Há algo que podemos fazer a respeito dessa situação? E será que deveríamos fazer? Alguns argumentariam que o que as crianças fazem fora das escolas não é uma preocupação adequada dos professores: elas já têm cultura popular suficiente em seu cotidiano, então por que haveriam de pensar sobre isso na escola, quanto mais estudar sobre isso? Muitos diriam que o que acontece na escola é necessariamente diferente do que acontece fora dela: a escolarização é uma forma de indução ao conhecimento de status superior e a aprendizagem na escola é necessariamente formal, de um modo que a aprendizagem fora da escola não é. Ainda que eu tenha certa simpatia por esse argumento, ele obviamente vê pouco espaço para mudanças, pois parece presumir que o conhecimento de status superior é algo garantido e aceita como dadas as distinções entre cultura superior e cultura popular, as quais, na realidade, são histórica e culturalmente relativas.
Penso que as escolas têm a responsabilidade de avaliar as realidades da vida das crianças fora da escola, o que obviamente inclui seu envolvimento com a cultura popular e o emprego que fazem da tecnologia no lazer. Entretanto, precisamos ser cautelosos com uma resposta superficial. Por exemplo, alguns desejam enal­tecer o envolvimento das crianças com os jogos de computador. Eles assinalam, muito corretamente, que jogar pode envolver todo um espectro de processos de aprendizagem complexos. Contudo, afirmam que é aí que a aprendizagem mais significativa está acontecendo e que a escola é quase uma causa perdida. Esse argumento de enalteci­mento envolve uma postura acrítica e inteiramente positiva em relação à cultura popular. Aqueles que exaltam os benefí­cios dos jogos de computador para a aprendizagem tendem a ignorar as dimensões comerciais dos jogos e evitam perguntas desconfor­tá­veis sobre seus valores e ideo­logias. Também incorrem em uma valorização um tanto vaga da "apren­dizagem informal", em que a aprendizagem formal é vista co­mo algo intrinsecamente ruim. Esse argumento pouco considera a realidade das escolas e das salas de aula - e os muitos problemas que o uso de jogos na apren­dizagem envolve.
Tal abordagem é sintomática do que poderíamos chamar de estratégia de "edutenimento", ou seja, a idéia de que podemos tomar elementos do entretenimento e usá-los para tornar o currículo tradicional mais palatável e interessante, sobretudo para crianças descontentes (que, na atualidade, são cada vez mais os meninos). Isso é o que as indústrias da mídia tipicamente chamam de "aprendizagem divertida" e consitui um mercado crescente tanto nos lares quanto nas escolas. A idéia de que podemos "dourar a pílula" da educação com um pouco de divertimento tem uma longa história. Porém, trata-se de uma abordagem superficial que quase sempre falha. Minhas pesquisas sugerem que as crianças não se deixam iludir: elas sabem a diferença entre um jogo de computador real e um jogo educativo. E também sabem qual deles preferem, tornando-se peritas em pegar o açúcar, mas deixar a pílula para trás.

Rumo ao alfabetismo digital
O problema das estratégias que descrevi é que elas conduzem a um uso acrítico e irrefletido da tecnologia. Elas vêem a tecnologia como um auxílio didático instrumental, uma ferramenta ou uma técnica. Nesse processo, questões fundamentais sobre como as tecnologias medeiam e representam o mundo, como elas criam significado e como são produzidas acabam sendo inevitavelmente marginalizadas.
Muitos anos atrás, o especialista em semiótica Umberto Eco escreveu que, se quisermos usar a televisão para ensinar alguém, primeiro precisamos ensiná-lo a usar a televisão. Isso implica que a educação sobre mídia é um pré-requisito indispensável para a educação com ou através da mídia. Eu diria que o mesmo se aplica à mídia digital. Se quisermos usar a internet, os jogos ou outros meios digitais para ensinar, precisamos equipar os alunos para compreendê-los e ter uma visão crítica desses meios: não podemos considerá-los simplesmente como meios neutros de veicular informações e não devemos usá-los de um modo meramente funcional ou instrumental. Precisamos, nesse caso, é de uma concepção coerente e rigorosa de "alfabetização digital" - em outras palavras, do que as crianças precisam saber sobre esses meios. Isso é muito mais do que uma questão de know-how ou de habilidades funcionais. As crianças precisam desenvolver uma capacidade crítica que lhes permita compreender como a informação é produzida, disseminada e consumida e como ela adquire significado.
Os "conceitos-chave" da educação para mídia - representação, linguagem, produção e público - fornecem uma estrutura abrangente e sistemática que pode ser facilmente aplicada aos meios digitais, como a internet e os jogos de computador. Por exemplo, em relação à internet, essa abordagem levanta questões desafiadoras sobre representação - sobre tendenciosidade, autoridade e ideologia - que costumam ser negligenciadas nas descrições da tecnologia da informação. É necessária uma análise sistemática da linguagem (gramática ou retórica) da web como meio (links, projeto vi­sual, formas de saudação, etc.). Ela inclui uma análise da produção, dos interesses comerciais e institucionais em jogo, de como os textos da web são produzidos e de como se relacionam com outros meios. E ela observa como tudo isso tem impacto no público ou no usuário, como os usuários são alvejados e convidados a participar, o que de fato fazem, o que consideram significativo e aprazível. Acredito que essa abordagem leva-nos além das questões limitadas sobre a informação na internet ser verdadeira ou não, ou se ela é digna de con­fiança. Ela trata das dimensões sociais e culturais da tecnologia de uma forma sistemática e rigorosa, procurando envolver-se diretamente com as experiências dos alunos fora da escola - não a fim de enaltecê-las, mas de interrogá-las criticamente.
No entanto, assim como a alfabetização refere-se à leitura e à escrita, a alfabetização sobre mídia digital também deve envolver leitura crítica e produção criativa. O advento de ferramentas de autoria digital criou novas oportunidades significativas nesse aspecto: os alunos podem criar sites ou vídeos digitais de alta qualidade com ferramentas de fácil acesso. Contudo, a educação em mídia não se restringe ao desenvolvimento de habilidades técnicas ou a alguma noção imatura de criatividade. Trata-se de desenvolver uma compreensão crítica das formas culturais e dos processos de comunicação. Aqui também a tecnologia não precipita mudanças por si só. Ela necessita de interrogação crítica, e seu valor depende crucialmente dos contextos educacionais em que ela é usada.

O fim da tecnologia?
A educação para a mídia oferece uma perspectiva ins­ti­gante, rigorosa e envolvente da tecnologia que a disciplina de TIC não faz com transparência. Ela propicia um modo de associar o uso da tecnologia nas escolas à cultura popular de fora das escolas, embora faça isso de uma maneira crítica e não de enaltecimento. Ela levanta questões críticas que nos levam bem além de um emprego puramente instrumental ou funcional da tecnologia. Creio que a alfabetização para a mídia deve substituir substancialmente a disciplina obrigatória de TIC nas escolas, devendo também estar muito mais integrada à disciplina de língua materna.
As tecnologias digitais são um fato inevitável da vida moderna. Os professores precisam usá-las de uma forma ou de outra - e o livro é uma tecnologia (ou um meio) tanto quanto a internet. Não podemos simplesmente abandonar a mídia e a tecnologia na educação e retornar a um tempo mais simples e natural. Os meios digitais, como a internet e os jogos de computador, real­mente têm enorme potencial para o ensino, mas será difícil realizar esse potencial se persistirmos em considerá-los apenas como tecnologias, e não como formas de cultura e comunicação.

David Buckingham é diretor do Centre for the Study of Children, Youth and Media, Institute of Education, London University.
d.buckingham@ioe.ac.uk
www.childrenyouthandmediacentre.co.uk

REFERÊNCIAS
BARBOSA, R.M. Ambientes virtuais de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2005. CORRÊA, J. Educação a distancia: orientações metodológicas. Porto Alegre: Artmed, 2007. PALLOFF, R.M.; PRATT, K. O aluno virtual: um guia para trabalhar com estudantes on-line. Porto Alegre: Artmed, 2004.
Revista Patio

Olhares acerca do estudo do meio


Sandra LestingeI, 1; Marcos SorrentinoII

IZootecnista. Doutora em Recursos Florestais. Docente visitante, Universidade de Brasília, Centro de Educação a Distância (CEAD). Brasília, DF.

IIBiólogo e Pedagogo. Pós-doutorado em Educação. Diretor do Departamento de Educação Ambiental, Ministério do Meio Ambiente. Brasília, DF.


Olhares acerca do estudo do meio


É alegre e instrutivo passear por entre uma vegetação que nos é estranha. Em meio às plantas habituais ou a objetos que conhecemos de longa data, não pensamos coisa alguma, e de que vale a contemplação sem a reflexão?. (GOETHE, 1999, p. 71)

É difícil precisar quando as excursões/expedições com caráter didático começaram a surgir. Talvez tenham se forjado como espaço de aprendizagem paralelo às viagens dos naturalistas/exploradores atentos que, percebendo a riqueza e diversidade dos sistemas naturais como fonte de conhecimento, tinham, nos auxiliares dos trabalhos de campo, os seus aprendizes. Entre alguns dos que vieram ao Brasil no séc. XIX, para ver e estudar paisagens, podem-se citar: Alexander von Humboldt, Auguste de Saint-Hilaire e Carl Philipp von Martius.

Na Europa, Goethe, por exemplo, contratou um jovem artista para retratar tudo o que lhe interessava, das paisagens às expressões humanas, como relata na sua obra "Viagem à Itália". Faz crer que aprimorou seus conhecimentos em diferentes áreas do conhecimento: Geologia, Botânica, Zoologia e Antropologia, no percurso que fez desde a Alemanha, entre 1786 e 1788, pois descreve lugares, solos, rochas, construções, costumes e culturas que encontrou pelo caminho. Pela sua narrativa, fica nítido o seu interesse científico pelas coisas, mas sobretudo deixa transparecer a emoção e percepção que tinha dos lugares, das pessoas e cenários pelos quais passava.

Alguns textos da literatura brasileira, apesar de menos conhecidos, indicam uma "concepção ideológica", que ressalta a importância de atividades educativas utilizando-se o espaço natural. Considerando-os, portanto, bastante apropriados para esta discussão, alguns trechos serão destacados, comentados e apresentados a seguir ipsis litteris.

Num artigo da revista editada pelo Instituto de Botânica de São Paulo, "Resenha Historica", datado de abril de 1937, o botânico alemão F.C. Hoehne expressa suas idéias indicando a necessidade de propostas de programas instrutivos - com participação popular - que valorizem o interesse, o entusiasmo e o gosto pela flora brasileira nas "escolas primárias e superiores [...] onde o povo pode buscar conhecimentos e receber emulações para o estudo da botânica" (HOEHNE, 1937, p. 66). O cientista e pesquisador comenta sobre a necessidade de se cultivar o senso "esthético", promover o amor ao estudo da flora e da natureza e "instruir o homem no caminho da verdade". Vai além, quando afirma que "já é tempo de se modificar a velha rotina do ensino da botânica", que precisa ser apresentada como ciência recreativa, útil e atraente, pois só a teoria cansa e desanima o estudante.

Ao descrever a coleção do Museu Paulista, Hoehne faz sugestões ousadas para a época, como de se produzir um "desenho animado" sobre orquídeas. Organizou programas de rádio com "conferências sobre a natureza brasílica", incentivou e promoveu a realização de cursos de aprendizagem para coleta e preparo de materiais para o herbário, entre outras ações. A sua preocupação e crítica ao modelo de educação praticado na época se destacam também neste trecho:

O Brasil, que ainda póde se ufanar da sua bella natureza, deveria abrir esta nova picada de progresso da cultura e reforma no ensino de botanica. Se tem tão poucos cultores e estudiosos da scientia amabilis, isto é devido, principalmente, não à carência de interesse do brasileiro pela natureza, mas ao defeituoso processo de ensino. (HOEHNE, 1937, p. 71)

Ele faz uma reflexão sobre a necessidade de mudança de hábitos e convenções sociais do povo, a necessidade de persistência e não violência para se alcançarem as reformas de costumes, assim, dá ênfase ao "amor para tudo que é natural do paiz". Valoriza a emoção ao se ter contato com a natureza, pois muitos "podiam passar por uma floresta sem sentir qualquer emulação para amar a terra". Cabe ainda destacar, do texto, um trecho que fala por si:

"Zurek zur Natur" (volta para a natureza) exclama o allemão e procura, no torrão transformado pela agricultura e industria, aquillo que a sua alma deseja. Contacto com aquillo que o Creador fez e em cujo meio o lançou é a felicidade do ser humano, porque a natureza é um lenitivo e estimulo ao mesmo tempo. Nas urbs, onde a vida se consome como o lubrificante e vapor de uma machina com os attrictos e o extinguir do fogo, o homem estiola-se como a flor sem orvalho e sem chuva. Os povos mais cultos compreendem a necessidade do contacto com a natureza. (HOEHNE, 1937, p. 74)

O cientista destaca a importância da Estação Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba, que pertencia, então, ao governo do estado, tanto no que se refere a figuras ilustres que a visitavam, como às trilhas que davam condições para longas caminhadas na mata. "Têm acesso os verdadeiros amigos da natureza, os que se deleitam em estudar a oecologia e mutua dependencia dos seres, os que apreciam a natureza assim como ella é sem a intromissão do homem" (HOEHNE, 1937, p. 82).

O contato e a apreciação da natureza também motivaram os trabalhos de outros grupos, como, por exemplo, o dos escoteiros. No Brasil, desde o início do séc. XX, eles foram incentivados a realizar suas atividades num contato íntimo com o meio natural, caminhando alertas e cautelosos, observando pegadas, se orientando com facilidade por meio do sol, das estrelas ou com o auxílio de bússolas.

A floresta é a escola da vida selvagem, escola que desenvolve no escoteiro a coragem, a tenacidade, o sangue frio, o espírito de observação, habituando-o a estar sempre alerta aos perigos que o podem rodear. É uma escola completa e encantadora. (LOBO, 1932, p. 23)

A compreensão de que por meio de um contato com a natureza podem-se desenvolver habilidades/virtudes é destacada no trecho em que Lobo comenta:

O mais interessante não é a observação de animaes prisioneiros ou da natureza morta, mas a observação dos animaes e da propria natureza, em toda a sua plenitude de liberdade e vida. Ahi é que as qualidades de coragem, paciencia, intelligencia e sagacidade do bom escoteiro se manifestam. (LOBO, 1937, p. 165)

O relato sobre estar ao ar livre continua com dicas para se seguir um animal sem ser pressentido, como estudar seus hábitos alimentares, onde e como se abrigam, como criam os filhotes, entre muitas outras. A obra não se restringe só à vida no campo, o treinamento do escoteiro passa também pela vida nas cidades, observação de pessoas, ruas, casas; atentos ao que está perto e longe.

É surpreendente a diversidade de jogos descritos no manual do escoteiro do Velho Lobo, podendo, pelo seu conteúdo, ser considerado também como precursor do movimento ambientalista; com nomes como "jogos de observação e memória", "estudo da natureza", "ao ar livre" e "educação dos sentidos", as atividades explicitam uma intenção de contato direto, de apenas estar, compartilhar e aprender com a natureza.

Segundo Pontuschka (1994) os estudos do meio no Brasil começaram a ser utilizados nas escolas anarquistas, que seguiam a pedagogia de Francisco Ferrer, e tinham a intenção de "fundar escolas livres, independentes do Estado, alfabetizando adultos e crianças num espaço de debate e diálogo, levando-os 'a pensar com suas próprias cabeças'" (PONTUSCHKA, 1994 p. 165). Para a autora, esta concepção contrapunha-se aos ideais dos empresários, que, no início do séc. XX – portanto, da industrialização no Brasil - não sentiam necessidade de alfabetizar o trabalhador.

Os filhos das classes mais abastadas iam às escolas, enquanto os filhos dos operários trabalhavam para ajudar os pais. Faziam parte dessas escolas não só os imigrantes italianos, mas também os espanhóis, portugueses e brasileiros.

O estudo do meio feito por tais escolas objetivava que os estudantes observando, descrevendo o meio do qual eram parte integrante poderiam refletir sobre as desigualdades, injustiças e promover mudanças na sociedade no sentido de saná-las. A escola livre estava muito vinculada ao conjunto dos movimentos sociais, políticos e culturais dos anarquistas, sempre no sentido de denúncia contra as arbitrariedades do Estado e da Igreja contra os trabalhadores adultos e crianças. (PONTUSCHKA, 1994, p. 168)

Outras personalidades contribuíram para a divulgação de idéias e ideais visando uma educação popular fundamentada no respeito individual e coletivo, na promoção da autonomia, na liberdade de expressão: o brasileiro Paulo Freire (1921-1997), o francês Célestin Freinet (1896-1966), o ucraniano Anton Makarenko (1888-1939), e o croata Rudolf Steiner (1861-1925), com a pedagogia Waldorf.

Os estudos do meio realizados pelas escolas tradicionais, com exceção, talvez, daquelas que adotam a metodologia Waldorf, infelizmente, têm uma preocupação longínqua com o desenvolvimento do espírito, abordagem tida como esotérica e, portanto, desprovida de validade científica. No entanto é de seres humanos que estamos falando quando elaboramos essas atividades e, nessa perspectiva, que perda para o desenvolvimento de nossos alunos significa essa visão materialista do mundo! (MENDONÇA, NEIMAN, 2003, p. 48)

Mendonça e Neiman (2003) afirmam que os estudos do meio surgiram como atividade organizada em algumas escolas nas décadas de 1950 e 1960, ganhando força em várias instituições de ensino a partir da década de 1970. Os autores apontam/associam, ainda, outros educadores e suas correntes/propostas pedagógicas que influenciaram o desenvolvimento desta atividade: Jean Piaget (1896-1980); Lev Vygotsky (1896-1934); Howard Gardner (1945), principalmente lembrando que a própria epistemologia do conhecimento estava sendo construída/investigada.

Parece ser possível afirmar que os autores apresentados, ou pelo menos algumas das suas intenções/idéias, tenham também a sua contribuição no sentido de fomentar o movimento ambientalista, pois além de enfatizarem/estimularem a aproximação à natureza de maneira cordial, amistosa, como a de um aprendiz - categoria a que todos os seres humanos pertencem – suas propostas embutem, na educação, uma ação político-libertadora.

parte integrante do artigo
As contribuições a partir do olhar atento: estudos do meio e a educação para a vida
Revista de Ciência & Educação (Bauru)- UNESP

Educação ambiental na escola


Sandra LestingeI, 1; Marcos SorrentinoII

IZootecnista. Doutora em Recursos Florestais. Docente visitante, Universidade de Brasília, Centro de Educação a Distância (CEAD). Brasília, DF.
IIBiólogo e Pedagogo. Pós-doutorado em Educação. Diretor do Departamento de Educação Ambiental, Ministério do Meio Ambiente. Brasília, DF.


Educação ambiental na escola

Para que um estudo do meio seja caracterizado como atividade de educação ambiental, ele precisa estar em consonância com um pensamento mais complexo sobre "meio ambiente". Parece haver um consenso, entre alguns autores, de que a educação ambiental tenha um caráter além do relativo (separação do "lixo", reciclagem), mas uma intenção maior de politizar e capacitar cidadãos e cidadãs a tomarem posicionamentos, por exemplo, sobre os altos padrões de consumo de países industrializados do hemisfério norte e a sustentabilidade do planeta. Assim, Freire (2000), Sato (2001), Carvalho (2000), Mendonça (2003) entre outros autores, apontam para a necessidade de que haja um comprometimento verdadeiro perante essas discussões.

É nesse sentido que algumas atividades práticas de educação ambiental passam por críticas como as que Michele Sato aponta:

Proliferam-se, assim, ações pontuais de abraçar árvores ou oficinas de reciclagem de papel, sem nenhuma postura crítica dos modelos de consumo vivenciados pelas sociedades, ou pela análise do modo de relação dominadora do ser humano sobre a natureza, com alto valor antropocêntrico. (SATO, 2001, p. R-16)

Se, de um lado, o simples abraçar árvores não conduz a uma análise do modo de relação dominadora sobre a natureza, pode promover uma compreensão profunda (não analítica, não racional, mas perceptiva, experiencial) do que significa não dominar, do que significa estar integrado. E, além disso, do bem-estar – perceptível – quando da compreensão de que existem outras possibilidades a serem exploradas, estando em um ambiente menos impactado, numa relação dialética entre corpo, mente e espírito.

Com um questionamento pertinente sobre outras práticas educacionais, Carvalho (2000) questiona a transmissão de informações por educadores que utilizam as trilhas de interpretação, em geral, com grande peso para os conhecimentos vindos da Biologia, como o funcionamento dos ecossistemas e as interações entre os elementos da natureza. Ressalta que a "tradição explicativa das ciências naturais" se contrapõe a uma "ação interpretativa e via compreensiva de acesso ao meio ambiente", que indicariam um caminho para uma educação ambiental de perspectiva filosófica hermenêutica. "Educar, compreender, tornam-se desde uma perspectiva hermenêutica, uma aventura onde o sujeito e os sentidos do mundo vivido estão se constituindo mutuamente da dialética da compreensão/interpretação" (CARVALHO, 2000, p. 8).

Sendo assim, acredita-se no potencial do uso dos EM para a relação de ensino-aprendizagem, visando criar, fortalecer laços e vínculos – objetivos e subjetivos – que contribuam tanto para a compreensão da realidade quanto para a consolidação do sentimento de pertença nos indivíduos, numa perspectiva de emancipação sociopolítica em prol de um projeto de felicidade.

Os estudos do meio, até hoje, foram mais utilizados no ensino da Geografia; mas outras disciplinas, como, por exemplo, Biologia, História, Ciências, Matemática, Literatura, utilizam-nos como estratégia de ensino-aprendizagem (PONTUSCHKA, 1994; DEBESSE-ARVISET, 1985; NIDELCOFF, 1979), com bastante sucesso entre docentes e discentes.

Considerando-se determinado território, os estudos do meio podem acontecer desde o entorno mais próximo dos estudantes - observações a partir do próprio corpo; e, num caracol imaginário, ir se expandindo para: a sala de aula, o prédio (ou local dos estudos), o jardim ou o espaço em volta, o quarteirão que abriga a escola e os adjacentes, o bairro e comunidades nele envolvidas e, assim por diante, até onde o fôlego e entusiasmo ou a necessidade indiquem como adequados e oportunos. "Qualquer pessoa pode fazer uma expedição no quintal da própria casa ou no jardim mais próximo. O que distingue, porém, uma expedição de um simples passeio é o fato de termos, no primeiro caso, um objetivo: o de conhecer" (BRANCO, 1984, p. 5).

Um estudo do meio pode ser caracterizado como um método na medida em que permite ao estudante observar, descobrir, documentar, utilizar diferentes meios de expressão, desenvolvendo, assim, um espírito de síntese; ou como técnica pelo seu valor informativo em diferentes áreas do conhecimento, de forma não "livresca", por meio da experiência vivida, como aponta Magaldi (1994, apud PONTUSCHKA, 1994). No entanto é importante se utilizarem estratégias e vivências específicas que favoreçam as relações interpessoais e intrapessoais.

Nidelcoff (1979) considera que o estudo do meio pode ser "integral" ou "parcial". No primeiro caso, exemplifica como "o estudo de uma população, de um bairro, de uma cidade, sob todos os seus aspectos", e ressalta que este é um trabalho mais difícil, que requer "ação coordenada de várias equipes, durante bastante tempo"; na outra possibilidade, de um estudo parcial, sugere um "recorte" ou apenas um aspecto de um tema, por exemplo: o estudo da localização e instalações de uma fábrica, os hábitos alimentares de uma população, entre outros (NIDELCOFF, 1987, p. 12-3).

Para complementar a idéia de estudo do meio, supracitada, cabe mencionar que:

El estúdio de los médios geográficos, a través del análisis de las situaciones complejas a partir de todos los factores implicados: tiempo, espacio, fuerzas económicas y financieras, es una orientación intelectual, un verdadero estruturalismo. Obligando a pensar "juntas", causas múltiples y no siempre suficientes, ejerce una dialética que ya no puede confundirse con la demonstración matemática ni con la comprensión literaria. (DEBESSE-ARVISET, 1985, p. 169-70)

É o que Larosa Bondía chama de dar sentido à experiência, "sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece", e discute os termos "informação", "conhecimento" e "aprendizagem", pois conhecimento e sabedoria passam pela quantidade de informação ou uma opinião que se tem sobre algo. A importância da experiência, na citação de Bondía, remete e reforça além do modo de ser/viver experienciado, à necessidade do "momento de parada":

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (BONDÍA, 2001, p. 5)

Para Tuan (1983), a experiência pode ter a conotação de passividade, pelo que uma pessoa suportou, tem sofrido ou aprendido com os acontecimentos. Mas experienciar é também aprender com base na própria vivência, atuar e criar a partir de dados, apesar de não se poder conhecer sua essência, "o que pode ser conhecido é uma realidade que é um constructo da experiência, uma criação de sentimento e pensamento". Então, pode-se depreender que, para experienciar, atuar e criar a partir de dados, como nos indica Tuan, é necessário o "gesto de interrupção", a que se refere Bondía, para completar os processos cognitivos.

Partir de la observación del entorno es un ejercicio de atención, de la aptitud para distinguir lo esencial de lo contingente; una incitación a imaginar comparaciones verificadores, esbozo de generalidad. Cada uno descubre los efectos de su propia acción en este medio físico, biológico, humano, y su poder a veces destructivo, así como la posibilidad de una belleza nueva. (DEBESSE-ARVISET, 1985, p. 161)

Nos estudos do meio, o exercício de observação e atenção deve ser adequado à faixa etária do grupo, bem como as atividades e temas coerentes com a proposta pedagógica do ensino básico à pós-graduação. É importante o comprometimento, a responsabilidade e o envolvimento do coletivo no estudo. Sem giz, quadro-negro ou carteiras, o estudo do meio torna-se um momento especial, único, pela oportunidade de se inovarem metodologias de ensino – aprendendo-se em outros ambientes, mas não só. Os estudantes, via de regra, sentem-se mais "soltos", ficam mais entusiasmados, participam, se expõem com comentários e observações, despertando a atenção também do educador "aprendente". A paisagem – urbana e/ou rural – é mais do que apenas um cenário. Os estudantes, educadores e cidadãos/moradores, são pessoas que se expõem ao compartilharem, socializarem, indagarem, pesquisarem.

O conhecimento se adquire através da observação prolongada de cada objeto: animal, vegetal ou mineral; da comparação com os demais objetos; do acompanhamento demorado e paciente do seu modo de ser, de viver, de relacionar-se com o meio, com os outros seres, com os elementos e fenômenos da natureza. É, realmente, enxergar o mundo que nos cerca. (BRANCO, 1984, p. 6)

É importante observar a mudança de comportamento em relação àquele que os estudantes normalmente têm em sala de aula. É possível que isso se deva a outras habilidades que são estimuladas nesses eventos. Assim, um estudante mais "inquieto e falante" pode ser um bom interlocutor, vindo a motivar e agregar a turma; uma aluna mais tímida pode revelar-se uma excelente observadora de pássaros e insetos, contribuindo para um contato afetivo e efetivo com outras fronteiras do conhecimento.

Pensando-se em contribuir para a construção de sociedades com pessoas mais conscientes sobre a importância de se conhecer, respeitar e conservar a natureza, os estudos do meio, de modo geral, destinam-se à aplicação de alguns recursos didáticos fora da sala de aula, utilizando-se a natureza ou o ambiente "extraclasse" como espaço pedagógico, mais do que um "laboratório vivo", de forma a contribuir, em última instância, para a discussão da problemática ambiental.

As atividades de campo são os laboratórios onde se concretizam, emergem e interagem os conteúdos teóricos, elaborados em sala de aula, com a realidade concreta das transformações da natureza. É o local onde se confrontam os valores exibidos dentro de "quatro paredes" com os praticados nas atividades de campo. (TAMAIO, 2002, p. 93-4)

O propósito de um estudo do meio deve ser (e estar) bem claro, definido e detalhado, tanto para os proponentes (professores, direção, coordenadores, guias) quanto para os estudantes. Nesse sentido, algumas perguntas podem ajudar: Qual (quais) o(s) objetivo(s) do estudo? A quem se destina? Qual a duração? Quais as maiores dificuldades ou limites?

Para os proponentes, há, no mínimo, dois caminhos que devem ser percorridos concomitantemente: o "pedagógico" e o "logístico".

O "logístico" compreende tudo o que diz respeito ao planejamento e realização da saída em si: transporte, trajeto, agendamento de horários, alimentação, primeiros socorros, entre outros. É importante fornecer algumas orientações sobre roupas e alimentos mais adequados, cuidados com objetos de uso pessoal (máquina fotográfica, medicamentos etc), detalhar e verificar cada item e, por segurança, deve-se manter o que foi acordado, isto é, evitar mudar – aleatoriamente - um roteiro preestabelecido no "meio do caminho". As decisões tomadas no coletivo geralmente têm mais credibilidade e geram confiança para o desempenho dos trabalhos no campo.

A necessidade de realizar um estudo do meio pode surgir dos próprios estudantes, ou então ser prevista dentro do planejamento ou do projeto político pedagógico da escola. Dependendo da complexidade da saída, o ideal é que a apresentação dos conteúdos curriculares se inicie com alguma antecedência, na sala de aula, para o envolvimento e motivação, visando estimular a noção de responsabilidade e firmar os compromissos entre os estudantes.

É imprescindível que, a partir de um projeto, se construa um roteiro que auxilie a sistematização das anotações e observações, dos comentários pessoais, dos dados históricos, geográficos, socioeconômicos, desenhos/croquis, pequenas entrevistas, horários previstos, etc. Este roteiro, que pode ser um guia de campo, caderno de anotações ou diário de bordo, serve como um orientador, uma "base de dados" tanto para o educador quanto para os estudantes utilizarem antes, durante e após o "evento"; pois envolve pesquisa, organização, memória das questões investigadas, possibilita a seleção de informações, facilita a comparação entre os dados levantados e os conhecimentos de outros pesquisadores, e pode ser fonte das interpretações pessoais, lembranças e conclusões.

Uma saída pode ser utilizada para várias atividades/momentos diferenciados. Desta forma podem-se conjugar as "tarefas" que os estudantes deverão realizar com as atividades de socialização e/ou percepção. Eles podem estar todos juntos assistindo uma palestra, e depois, em grupos, entrevistando/conversando com pessoas, e num outro momento (num solo, por exemplo), cada um individualmente fazendo sua "síntese histórica" ou memória do dia.

A compreensão deste mundo passa, evidentemente, pela compreensão das relações que ligam o ser humano ao seu meio ambiente. Não se trata de acrescentar uma nova disciplina a programas escolares já sobrecarregados, mas de reorganizar os ensinamentos de acordo com uma visão de conjunto dos laços que unem homens e mulheres ao meio ambiente, recorrendo às ciências da natureza e às ciências sociais [...] numa perspectiva de uma educação que se estenda ao longo de toda a vida. (DELORS, 2000, p. 47)

A idéia de se usarem estudos do meio parece estar sintonizada com os quatro pilares da educação, que constituem uma via do saber, pelos "múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta" entre eles:

Aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. (DELORS, 2000, p. 90)

Cada estudo do meio deve, portanto, ser minuciosamente planejado, organizado, detalhado, aproveitado, pois é único, experiência única, e como aprendizado, requer um gesto de interrupção, pois é impossível de ser repetido. É um tempo de disponibilidade e abertura para aprender sobre si mesmo, o outro, o mundo.

parte integrante do artigo
As contribuições a partir do olhar atento: estudos do meio e a educação para a vida
Revista de Ciência & Educação (Bauru)- UNESP

Teoria e prática rumo à uma escola viva


Sandra LestingeI, 1; Marcos SorrentinoII

IZootecnista. Doutora em Recursos Florestais. Docente visitante, Universidade de Brasília, Centro de Educação a Distância (CEAD). Brasília, DF.
IIBiólogo e Pedagogo. Pós-doutorado em Educação. Diretor do Departamento de Educação Ambiental, Ministério do Meio Ambiente. Brasília, DF.


Teoria e prática rumo à uma escola viva

Não estou fazendo esta maravilhosa viagem com o propósito de me iludir, mas sim de me conhecer melhor a partir dos objetos que vejo (GOETHE, 1999, p. 53-4).

Pode-se afirmar que, na atualidade, há um distanciamento da "realidade vivida", fato este atribuído à velocidade do modo de vida contemporâneo; e, em conseqüência disso, a compreensão e a "apropriação" do cotidiano, nos diferentes segmentos sociais, perde qualidade, sobretudo nas escolas, onde deveria se dar o inverso, pela somatória de projetos, ações, discussões e reflexões próprias da atividade pedagógica.

Práticas que se destinem à resolução de problemas (OTT, 1989) e à compreensão da realidade (NIDELCOFF, 1979), entre outras, deveriam ser constantemente estimuladas no âmbito do ensino formal e do informal. A comunidade escolar, em geral, parece desconsiderar a perda paulatina do contato lúdico e da compreensão que se tem do ambiente mais próximo, o entorno. Carvalho (2001) afirma que antes das 'Educações Ambientais', outras correntes pedagógicas também se preocuparam em contextualizar os sujeitos em seu entorno histórico, social e natural. Para ele, trabalhos de campo, estudos do meio, temas geradores, aulas ao ar livre, não são atividades inéditas na Educação. Tomados cada um por si, esses recursos educativos não são estranhos às metodologias consagradas na educação como aquelas inspiradas em Paulo Freire e Piaget, entre outras (CARVALHO, 2001).

Nesse sentido, Carvalho (2001) comenta que caberia à educação ambiental a revisita desse conjunto de atividades pedagógicas, atualizando-as dentro de um novo horizonte epistemológico onde o ambiental é pensado como sistema complexo das relações e interações da base natural e social.

A escola, como espaço de formação crítica, deveria promover constantemente práticas educativas voltadas à conscientização da problemática socioambiental e conseqüente busca de soluções. Bondía (2001, p. 5) comenta que o sujeito moderno

além de ser um sujeito informado que opina, além de estar permanentemente agitado e em movimento, é um ser que trabalha, tanto o mundo "natural" quanto o mundo "social" e "humano", tanto a "natureza externa" quanto a "natureza interna", segundo o seu saber, seu poder e sua vontade. (BONDÍA, 2001, p. 5)

Com foco na realidade escolar, o autor coloca que "na escola o currículo se organiza em pacotes cada vez mais numerosos e cada vez mais curtos. Com isso, também em educação estamos sempre acelerados e nada nos acontece" (BONDÍA, 2001, p. 4). Essa crítica remete a uma problemática sobre o volume de informações e áreas de conhecimento a que se está exposto (nos bancos escolares e além deles) e que se tem à disposição; permite uma experiência verdadeira - que nos passa, que nos acontece, que nos toca – durante o processo educativo.

Cada vez estamos mais tempo na escola [...] mas cada vez temos menos tempo. Esse sujeito da formação permanente e acelerada, da constante atualização, da reciclagem sem fim, é um sujeito que usa o tempo como um valor ou uma mercadoria, um sujeito que não pode perder tempo (BONDÍA, 2001, p. 4).

Então, na busca por respostas às perguntas iniciais, mais abrangentes (e que remetem ao passado ou ao futuro), há também outros questionamentos primordiais, não menos importantes, como, por exemplo: Quem sou? Onde estou? Para onde quero prosseguir? Certamente o corre-corre da "vida moderna", dos grandes centros urbanos, tem contribuído para que não se pense nisso, para que não se busquem respostas ou, até, que não se façam tais perguntas.

A alienação pode ser mantida e estimulada por um modo de vida consumista, "fast food", perdendo-se o olhar atencioso e reflexivo para si próprio e para o outro. Como contrapartida, poderia se promover um modo de vida baseado no "slow food"4, um movimento internacional, que nasceu na Itália e que promove uma educação do paladar, resgatando-se sabores e saberes, em contraposição ao modo de vida alienante que predomina em várias sociedades do mundo.

Ragionare sul piacere che questo mondo ci può dare non può prescindere dal ragionare sulla necessità di mantenere un equilibrio di rispetto e di scambio con la natura, con l'ambiente. Ecco perché ci piace definirci "ecogastronomi". Siamo sicuri che il nostro piacere non può non essere legato al piacere degli altri, ma allo stesso modo è legato all'equilibrio che sapremo mantenere (e in molti casi ritrovare) con l'ambiente che ci ospita5.

Essa perspectiva, que valoriza a alimentação "consciente", não só como uma necessidade básica de todo ser humano, mas também como um hábito cultural ou um modo de vida mais saudável, faz pensar sobre o acesso à qualidade e à quantidade de alimentos, que é bastante desigual entre os hemisférios norte e sul do planeta, refletindo diretamente nas condições de vida das populações. Na última década, por exemplo, o governo dos Estados Unidos tem alertado sobre as doenças causadas pelo sedentarismo e obesidade da população norte-americana, pois ela consome, em excesso, alimentos industrializados (de má qualidade).

Para usufruir a vida em sociedade, deve-se promover a aproximação do sujeito com as coisas e acontecimentos, mas não aleatoriamente, e sim conjugadas com atenção, paciência e tolerância. Para isso, pressupõe-se a valorização de uma característica da pessoa humana: a de ser "um ente associativo, porque o ser humano não existe sozinho" (DALLARI, 2001, p. 86). Dallari afirma que é uma característica humana viver em associações na busca por modos de convivência; e, é na busca por regras de convivência que contribuam para uma harmonia social, e na fixação destas regras, que a participação passa a ser não só um direito, mas um dever que não se pode deixar de cumprir.

É a partir deste cenário, com ênfase também na necessidade de participação dialógica e potencializadora de ações críticas e reflexivas, que se pretende incentivar mais e melhores iniciativas de realização de estudo do meio6, pois no cotidiano e na comunidade escolar há oportunidade, num ambiente profícuo, de se fomentarem experiências que contribuam para a aprendizagem de crianças, adolescentes e adultos, pois:

A escola tem que ajudar a criança para que, em seu processo de crescimento, ela vá compreendendo a realidade que a cerca e nela vá se localizando lúcida e criativamente. Este processo a inicia na realidade imediata com o meio: aprende a VER no mesmo, para em seguida estender seu olhar na direção de horizontes mais largos (NIDELCOFF, 1979, p. 11).

Método, técnica, atividade de campo, aula prática, excursão, vivência ou outra nomenclatura que o identifique, destaca-se a importância de se criar "elos" ou "pontes" que instiguem a proposição e realização de estudo do meio numa perspectiva de contribuir para a construção de sociedades mais justas e igualitárias, ressaltando-se o "contexto político da relação educativa" (DEMO, 2002, p. 91).

A utilização do estudo do meio7 como metodologia para a educação ambiental pode contribuir para uma formação mais "integral" do indivíduo, quando se propõe um olhar cuidadoso e atento para o que está à volta, para a compreensão e discussão da realidade e do entorno, por intermédio de projetos interdisciplinares e integrados.

A partir daí, deste reconhecimento, acredita-se poder inferir que sujeitos sociais distintos se potencializem para ações que sejam mais responsáveis no tocante à questão ambiental. Pontuschka (1994) destaca a importância de se definir o que se entende por estudo do meio – uma "prática social" - com base em trabalhos realizados "no passado até nossos dias".

parte integrante do artigo
As contribuições a partir do olhar atento: estudos do meio e a educação para a vida

Revista Ciência & Educação (Bauru)- UNESP

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