segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Alfabetizar é todo dia

O professor deve planejar com antecedência e constantemente as atividades de leitura e escrita. Por isso, manter-se atualizado com as novas pesquisas didáticas é essencial

Thales de Menezes (novaescola@atleitor.com.br)Colaborou Nina Pavan. Leitoras que sugeriram o especial: Rosany Dutra, Timóteo, MG, e Magda Cecília Arantes de Carvalho, Itapevi, SP


MÃO NA MASSA  As crianças precisam ser confrontadas com situações de escrita desde o início do processo. Foto: Ricardo Beliel
MÃO NA MASSA As crianças precisam ser confrontadas com situações de escrita desde o início do processo. Foto: Ricardo Beliel

Alfabetizar todos os alunos nas séries iniciais tem implicações em todo o desenvolvimento deles nos anos seguintes. Segundo a educadora Telma Weisz, supervisora do Programa Ler e Escrever, da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, "a leitura e a escrita são o conteúdo central da escola e têm a função de incorporar a criança à cultura do grupo em que ela vive". Por isso, o desafio requer trabalho planejado, constante e diário, conhecimento sobre as teorias e atualização em relação a pesquisas sobre as didáticas específicas.

Esta edição especial traz o que há de mais consistente na área. Hoje se sabe que as crianças constroem simultaneamente conhecimentos sobre a escrita e a linguagem que se escreve. Conhecer as políticas públicas de Educação no país e seus instrumentos de avaliação é um meio de direcionar o trabalho. Um exemplo é a Provinha Brasil, que avalia se as crianças dominam a escrita e também seus usos e funções. Para a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Maria do Pilar Lacerda e Silva, o grande mérito do teste de avaliação que mede as competências das crianças na fase inicial de alfabetização é fornecer instrumentos para o professor interpretar os resultados, além de sugerir práticas pedagógicas eficazes para alcançá-los. "É um material que ajuda o professor na reflexão porque nenhuma avaliação serve para nada quando se limita a constatar. Ela só faz sentido para mudar práticas e identificar as dificuldades de cada aluno.”

Da mesma forma, organizar a rotina é imprescindível. Uma distribuição de atividades deve ser estabelecida com antecedência, contemplando trabalhos diários, sequências com prazos determinados e projetos que durem várias semanas ou meses (confira dicas preciosas sobre o planejamento). Ao montar essa programação, cabe ao professor abrir espaço para as quatro situações didáticas que, segundo as pesquisas, são essenciais para o sucesso na alfabetização: ler para os alunos, fazer com que eles leiam mesmo antes de saber ler, assumir a função de escriba para textos que a turma produz oralmente e promover situações que permitam a cada um deles escrever até que todos dominem de fato o sistema de escrita. Nesta edição, você encontra as bases teóricas e casos reais de professoras que obtiveram sucesso ao desenvolver cada uma das situações (com sugestões detalhadas de atividades). E não há tempo a perder. No início do ano, como agora, a tarefa essencial é descobrir quais as hipóteses de escrita das crianças, mesmo antes que saibam ler e escrever convencionalmente (leia mais sobre como fazer um bom diagnóstico). Assim, fica mais fácil acompanhar, durante o ano, a evolução individual para planejar as intervenções necessárias que permitam que todos efetivamente avancem. Essa sondagem inicial influi na distribuição da turma em grupos produtivos de trabalho, como mostra a reportagem Parceiros em Ação.


Sabe-se, já há algum tempo, que as crianças começam a pensar na escrita muito antes de ingressar na escola. Por isso, precisam ter a oportunidade de colocar em prática esse saber, o que deve ser feito em atividades que estimulem a reflexão sobre o sistema alfabético.

No livro Aprender a Ler e a Escrever, as educadoras Ana Teberosky e Teresa Colomer apontam que o desenvolvimento do aluno se dá “por reconstruções de conhecimentos anteriores, que dão lugar a novos saberes”. Essa condição está presente nos 12 planos de aula deste especial. Em todos, transparece a necessidade de abrir espaço para que a turma debata o que produz, permitindo que a reflexão leve a avanços nas hipóteses iniciais de cada estudante.

É fundamental levar para a escola as muitas fontes de texto que nos cercam no cotidiano, como livros, revistas, jornais, gibis, enciclopédias etc. Variedade é realmente fundamental para os alfabetizadores, que devem ainda abordar todos os gêneros de escrita (textos informativos, listas, contos e muito mais). E, nas atividades de produção de texto, a intervenção do professor é vital para negociar a passagem da linguagem oral, mais informal, à linguagem escrita.

O número do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), de 2007, mostra que só 28% da população brasileira está na condição de alfabetizados plenos. Para impedir que mais pessoas fiquem restritas a compreender apenas enunciados simples, o desempenho escolar nos anos iniciais precisa de resultados melhores. Essa preocupação deve ser compartilhada por professores e órgãos públicos. “O governo está fazendo uma intervenção específica nas séries iniciais para ter resultados rapidamente, com dois docentes por sala, material didático de apoio, formação continuada e avaliação bimestral”, afirma Maria Helena Guimarães de Castro, secretária estadual de Educação de São Paulo.

As principais redes de ensino do país, como a estadual e a municipal de São Paulo, trabalham com a meta de alfabetizar as turmas em no máximo dois anos. Para garantir que essas expectativas de aprendizagem sejam atingidas, é preciso um compromisso dos coordenadores pedagógicos em utilizar os horários de trabalho coletivo para afinar a capacitação das equipes. “Pesquisas, debates e orientações curriculares têm de ser incentivados”, sugere Célia Maria Carolino Pires, que coordenou em 2008 o Programa de Orientações Curriculares da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

Nas próximas páginas, você confere uma lista, adaptada por NOVA ESCOLA, de expectativas de aprendizagem em Língua Portuguesa para o 1º e o 2º ano da rede municipal paulistana. Com base nela, você pode adequar suas propostas de trabalho e fazer com que, em 2009, nenhum aluno da turma fique para trás. Pois superar os desafios da alfabetização é apenas o primeiro passo para que todos tenham uma vida escolar cheia de aprendizagens cada vez mais significativas.

Telma Weisz: A saída é a formação do professor alfabetizador

Foto: Rogerio Albuquerque

Para desenvolver este artigo, parto de dois pressupostos. Primeiro: o que garante a qualidade da Educação que acontece de fato nas escolas é, sobretudo, a qualidade do trabalho profissional dos professores. O segundo: a qualidade do trabalho profissional dos professores tem dependido essencialmente da formação em serviço, pois a inicial tem se mostrado inadequada e insuficiente.

Diante disso, me concentro numa questão: a competência da escola pública brasileira para produzir cidadãos plenamente alfabetizados, requisito mínimo para falar em Educação de qualidade. É preciso admitir que nossa incapacidade para ensinar a ler e a escrever tem sido responsável por um verdadeiro genocídio intelectual.

A existência de um fracasso maciço, o fato de ele ter sido tratado como natural até poucos anos atrás e a fraca evolução desse quadro em 40 anos comprovam como vem sendo penoso ensinar os brasileiros que dependem da rede pública. Pesquisas de campo mostram a enorme dificuldade que os educadores têm para avaliar o que os alunos já sabem e o que eles não sabem. Aqueles que produzem escritas silábico-alfabéticas e alfabéticas na 1ª série e que teriam condições de acompanhar a 2ª série – pois podem ler e escrever, ainda que com precariedade – são retidos. Por outro lado, os bons copistas e os que têm letra bonita ou caderno bem feito são promovidos.

Quando se trabalha com esse tipo de indicador, até avanços na aprendizagem acabam sendo prejudiciais. Muitas crianças que aprendem a ler começam a “errar” na cópia. Elas deixam de copiar letra por letra e passam a ler e escrever blocos de palavras, em geral unidades de sentido. Isso faz com que cometam erros de ortografia ou unam palavras. O que indicaria progresso é interpretado como regressão, pois, por incrível que pareça, nem sempre o professor sabe a diferença entre copiar e escrever.

Essa é uma dificuldade de avaliação comum nos quatro cantos do país e que explica em grande parte por que muitos alunos de 4ª série não leem e não entendem um texto simples. Eles costumam ser os que terminam a 1ª série sem saber ler ou lendo precariamente. Nas séries seguintes, passam o tempo copiando a matéria do quadro-negro ou do livro didático. Ao serem perguntados sobre o que fariam para melhorar a qualidade da leitura e do texto produzido por esses estudantes, os profissionais que lecionam para a 2ª, 3ª ou 4ª série costumam dizer que não há o que fazer, já que eles foram mal alfabetizados e, além disso, as famílias não ajudam.

Nos últimos 25 anos, estive envolvida com programas de formação docente em serviço em todos os níveis possíveis: desde a implantação de uma unidade educacional até a formação em nível nacional. Essa experiência me dá condições de afirmar que não existem soluções mágicas para resolver em pouco tempo os problemas da escola brasileira. A qualidade da Educação - e especificamente da alfabetização - só melhorará quando as políticas educacionais forem um projeto de Estado e não de governo.

TELMA WEISZ é supervisora do Programa Ler e Escrever, da Secretaria Estadual da Educação de São Paulo

Expectativas de aprendizagem para o 1º ano

COMUNICAÇÃO ORAL
• Fazer intercâmbio oral, ouvindo com atenção e formulando perguntas.
• Mostrar interesse por ouvir e expressar sentimentos, experiências, ideias e opiniões.
• Recontar histórias de repetição e/ou acumulativas com base em narrações ou livros.
• Conhecer e recontar um repertório variado de textos literários, preservando os elementos da linguagem escrita.

LEITURA

Foto: Fernado Vivas

• Ouvir com atenção textos lidos.
• Refletir sobre o sistema alfabético com base na leitura de nomes próprios, rótulos de produtos e outros materiais - listas, calendários, cantigas e títulos de histórias, por exemplo -, sendo capaz de se guiar pelo contexto, antecipar e verificar o que está escrito.
• Ler textos conhecidos de memória, como parlendas, adivinhas, quadrinhas e canções, de maneira a descobrir o que está escrito em diferentes trechos do texto, fazendo o ajuste do falado ao que está escrito e o uso do conhecimento que possuem sobre o sistema de escrita.
• Buscar e considerar indícios no texto que permitam verificar as antecipações realizadas para confirmar, corrigir, ajustar ou escolher entre várias possibilidades.
• Confrontar ideias, opiniões e interpretações, comentando e recomendando leituras, entre outras possibilidades.
• Relacionar texto e imagem ao antecipar sentidos na leitura de quadrinhos, tirinhas e revistas de heróis.
• Inferir o conteúdo de um texto antes de fazer a leitura com base em título, imagens, diagramação e informações contidas na capa, contracapa ou índice (no caso de livros e revistas).

ESCRITA E PRODUÇÃO TEXTUAL
• Conhecer as representações das letras maiúsculas do alfabeto de imprensa e a ordem alfabética.
• Escrever o próprio nome e utilizá-lo como referência para a escrita.
• Produzir texto de memória de acordo com sua hipótese de escrita.
• Escrever usando a hipótese silábica, com ou sem valor sonoro convencional.
• Reescrever histórias conhecidas - ditando para o professor ou para os colegas e, quando possível, de próprio punho -, considerando as ideias principais do texto-fonte e algumas características da linguagem escrita.
• Produzir escritos de autoria (bilhetes, cartas, instrucionais).

Baseadas nas expectativas de aprendizagem em Língua Portuguesa da rede municipal de São Paulo

Expectativas de aprendizagem para o 2º ano

COMUNICAÇÃO ORAL
• Participar de situações de intercâmbio oral, ouvindo com atenção e formulando perguntas sobre o tema tratado.
• Ouvir com atenção crescente a opinião dos colegas, expressar suas ideias, relacioná-las ao tema e fazer perguntas sobre os assuntos abordados.
• Aprender a respeitar modos de falar diferentes do seu.
• Recontar histórias conhecidas, recuperando características da linguagem do texto original.
• Aprender a falar de maneira mais formal e, assim, se preparar para se comunicar em situações como entrevistas, saraus, recitais, cantorias e seminários, entre outras.

LEITURA
• Apreciar textos literários.
• Compreender a natureza do sistema de escrita e ler por si mesmo textos conhecidos.
• Com a ajuda do professor, ler diferentes gêneros (literários, instrucionais, de divulgação científica, notícias), apoiando-se em conhecimentos sobre tema, características do portador, gênero e sistema de escrita.
• Ler, por si mesmo, textos conhecidos, como parlendas, adivinhas, poemas, canções e trava-línguas, além de placas de identificação, listas, manchetes de jornal, legendas, quadrinhos e rótulos.
• Colocar em ação diferentes modalidades de leitura em função do texto e dos propósitos da leitura (ler para buscar uma informação, para se entreter, para compreender etc.).
• Coordenar a informação presente no texto com as informações oriundas das imagens que o ilustram (por exemplo, nos contos, nas histórias em quadrinhos, em cartazes, em textos esportivos e nas notícias de jornal).
• Ampliar suas competências leitoras: ler rapidamente títulos e subtítulos até encontrar uma informação, selecionar uma informação precisa, ler minuciosamente para executar uma tarefa, reler um trecho para retomar uma informação ou apreciar aquilo que está escrito.
• Analisar textos impressos utilizados como referência ou modelo para conhecer e apreciar a linguagem usada ao escrever (como os autores descrevem um personagem, como resolvem os diálogos, evitam repetições, fazem uso da letra maiúscula, da pontuação).

ESCRITA E PRODUÇÃO TEXTUAL

Foto: Gilvan Barreto
Foto: Gilvan Barreto

• Escrever alfabeticamente, ainda que com erros ortográficos (ausência de marcas de nasalização, hipo e hipersegmentação, entre outros).
• Reescrever histórias conhecidas, ditando-as ou de próprio punho.
• Produzir textos simples de autoria.
• Revisar textos coletivamente, com ajuda do professor e dos colegas, para melhorá-los e, assim, compreender a revisão como parte do processo de produção.
• Aprender a se preocupar com a qualidade de suas produções escritas, no que se refere tanto aos aspectos textuais como à apresentação gráfica.

Baseadas nas expectativas de aprendizagem em Língua Portuguesa da rede municipal de São Paulo



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