Jogos podem proporcionar maneiras criativas de testar a percepção e a intuição
por Christof Koch e Kerstin Preuschoff
© Paul Pantazescu/Istockphoto
Muitas de nossas ações se passam fora do alcance da consciência: se ajustamos nossa postura corporal ou se decidimos casar, com freqüência não temos idéia por que ou como fazemos certas coisas. A noção freudiana de que a maior parte de nossa vida mental é inconsciente é difícil de ser estabelecida de maneira rigorosa. Embora pareça fácil responder à pergunta “você (conscientemente) viu a luz acender?”, mais de um século de pesquisa mostrou que não é bem assim. O problema-chave é definir a consciência de tal forma que seja possível medi-la de maneira independente do estado interno do cérebro do indivíduo, ao mesmo tempo que se “capta” seu caráter subjetivo.por Christof Koch e Kerstin Preuschoff
© Paul Pantazescu/Istockphoto
Uma avaliação experimental comum da consciência – da sensação percebida ou do pensamento – é baseada na “confiança”. Por exemplo: um voluntário tem de julgar se uma nuvem de pontos numa tela de computador se move para a esquerda ou para a direita. Ele então relata quão confiante se sente assinalando um número – por exemplo, 1 para indicar puro palpite, 2 para alguma hesitação e 3 para certeza completa. Esse procedimento mostra que quando o participante tem pouca percepção da direção do movimento dos pontos sua confiança é baixa, enquanto quando ele “vê” claramente o movimento sua confiança é alta.
QUESTÃO DO DINHEIRO
Um relatório apresentado recentemente pelos pesquisadores Navindra Persaud, da Universidade de Toronto, Peter McLeod e Alan Cowey, ambos da Universidade de Oxford, apresenta uma forma mais objetiva para mensurar a consciência, valendo-se do desejo das pessoas de ganhar dinheiro. Esse método foi adaptado da economia, em que é usado para avaliar a crença da pessoa a respeito do resultado provável de um evento. Aqueles que sabem que têm as informações adequadas estão dispostos a apostar nisso. Isto é, aceitam pagar para ver. Pense no investimento em fundos mútuos. Quanto mais certo você estiver de que a alta tecnologia irá render bem no ano seguinte, mais dinheiro irá alocar para um fundo desse setor de alta tecnologia.
Persaud e seus colegas usam esse tipo de aposta para revelar a consciência – ou a falta dela. Em seus experimentos, os participantes não declaram confiança na percepção de maneira direita. Em vez disso, primeiro tomam uma decisão com base naquilo que perceberam e então apostam uma quantia tendo por base o grau de confiança na própria decisão. Se a escolha se mostra correta, o voluntário ganha o dinheiro; caso contrário, perde. A estratégia ideal é apostar sempre que se sinta seguro. As experiências aplicam essa técnica de apostas para três exemplos do processamento não-consciente.
O primeiro envolve o paciente G. Y. Devido a um acidente de carro que danificou áreas no seu cérebro envolvidas no processamento visual, tem o que se costuma chamar de “visão cega”. Essa condição o deixa com a capacidade não-consciente de localizar uma luz ou relatar a direção na qual uma barra colocada numa tela de computador está se movendo, embora ele negue ter a experiência visual e insista que está apenas chutando.
Porém, ele falha em converter seu bom desempenho superior em dinheiro quando aposta; coloca quantias altas em apenas cerca da metade (48%) de suas escolhas corretas. Quando consciente do estímulo, G. Y. aposta alto – exatamente o que qualquer pessoa faria. Suas apostas parecem espelhar a percepção consciente que tem do estímulo (isto é, a crença de que ele o viu) em vez de sua detecção real (inconsciente) do estímulo. Isso sugere que as apostas podem servir como meio de medir a consciência.
O segundo experimento envolve uma tarefa de uma gramática artificial, na qual participantes aprendem um pequeno número de seqüências de poucas letras. É dito a eles que as seqüências obedecem a uma única regra (por exemplo: todo “x” é seguido por um “a”). Mas não lhes é dito qual é a regra. Quando vêem uma nova seqüência, os participantes podem com freqüência determinar de maneira correta se esta segue a regra desconhecida. Ainda assim, os voluntários apenas raramente a expressam porque ficam em dúvida se a seqüência obedece ou não a regra. A taxa geral de classificação correta (81%) é bem melhor do que o acaso. Ainda assim os participantes não convertem esse desempenho em dinheiro. Apostas altas são seguidas por uma escolha correta em 45% do tempo e uma opção equivocada em 32% dos casos. Em resumo, os participantes do estudo normalmente estão certos de que a seqüência segue a regra, mas não têm confiança suficiente para apostar nisso.
MÃOS VENCEDORAS
No experimento final, chamado “a tarefa de aposta de Iowa”, são usados quatro baralhos. As pessoas pegam a primeira carta de um deles. Cada lâmina faz com que o voluntário ganhe ou perca certo valor em dinheiro. Sem que os participantes saibam, dois dos quatro montes têm um “rendimento líquido” positivo e dois, negativo. Os jogadores precisam realizar uma aposta na carta escolhida antes que ela seja revelada – e perder ou ganhar de acordo com isso. No teste, os participantes desviravam um grande número de cartas, uma por uma, descobrindo a cada vez se iam ganhar ou perder. Eles quase sempre descobriam quais baralhos eram ganhadores e começavam a puxar cartas na maior parte das vezes – mas normalmente desviravam ao menos 30 cartas nesses baralhos antes de ganhar a confiança para apostar de forma agressiva nos resultados. Isto é, as pessoas só começavam a ganhar dinheiro muito depois do momento em que seu próprio comportamento deveria ter revelado que sabiam quais baralhos eram vencedores.
Para explorar essa hesitação, Persaud e seus colegas usaram uma variação desse experimento na qual interrogavam os participantes a cada décimo teste em relação a tudo que estes sabiam sobre o jogo e os baralhos. Quando os participantes examinavam assim seu conhecimento do jogo, o intervalo entre o início da escolha do baralho positivo e as apostas vantajosas desaparecia, sugerindo que o ato de introspecção altera a percepção dos participantes. Examinar o próprio conhecimento os tornou mais conscientes do que eles sabiam. Essa descoberta indica que apostas feitas com base em conhecimentos a respeito dos quais ainda não se está consciente podem ter melhores resultados, uma demonstração da utilidade da máxima “conhece-te a ti mesmo” da filosofia ocidental.
As técnicas de apostas usadas por Persaud, McLeod e Cowey dependem da capacidade intuitiva de as pessoas fazerem boas escolhas – e, nesse caso específico, obter lucros. Em comparação com a tática de forçar participantes a se tornar cientes de sua própria consciência – e nesse processo perturbar o próprio fenômeno que se deseja medir –, as apostas representam uma forma mais sutil de avaliar a percepção, mostrando-se uma nova maneira mais lúdica – e reveladora – de estudar a percepção e a consciência. Desses passos, aparentemente pequenos, surgem possibilidades para responder à antiga questão: como a consciência surge a partir da experiência?
Christof Koch e Kerstin Preuschoff Ele é professor de biologia e engenharia do Instituto de Tecnologia da Califórnia e consultor científico da Scientific American-Mind. Ela é pesquisadora, pós-doutorada em teoria da decisão e neurociências.
Revista Mente e Cérebro
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