quarta-feira, 22 de julho de 2009

Energia latente

O poder de inovar já conferiu adjetivos diversos a seus responsáveis ao longo do tempo - divinos, loucos, geniais ou apenas criativos. Mas o que será que há de fato de especial por trás dessa capacidade criadora?

Por Celeste Carneiro


Todos nós nascemos com a possibilidade de sermos criati- vos. Mas a educação e a visão unilateral, focadas para um tipo apenas de inteligência, levam-nos a acreditar que não temos criatividade. O que vem a ser criatividade? Criatividade é a capacidade que a pessoa tem de expressar, por diversos meios, idéias novas, que solucionam, de forma satisfatória, os desafios da vida, em qualquer área. É o poder de transformar objetos comuns em obras de arte ou dar-lhes novas utilidades.

É uma visão ampla e flexível, tolerante e intuitiva, que produz alegria e entusiasmo, induzindo a colocar em execução as idéias que surgem. Falando sobre criatividade e inovação, especialmente no âmbito das organizações, Eunice Soriano de Alencar esclarece: "Para nossos propósitos, poderíamos considerar a criatividade como o processo que resulta na emergência de um novo produto (bem ou serviço), aceito como útil, satisfatório e/ou de valor por um número significativo de pessoas em algum ponto no tempo. (...) Por outro lado, inovar significa, como o próprio termo sugere, intro- duzir novidade, concebendo-se a inovação organizacional como o processo de introduzir, adotar e implementar uma nova idéia (processo, bem ou serviço) em uma organização em resposta a um problema percebido, trans- formando uma nova idéia em algo concreto. (...) A criatividade pode ser considerada como o componente conceitual da inovação, ao passo que a inovação englobaria a concretização e aplicação das novas idéias. Por essa razão, o termo inovação tem sido mais utilizado no nível das organizações e o termo criatividade, no nível do indivíduo ou grupos de indivíduos".

Nos estudos das últimas décadas sobre o funcionamento do cérebro, quando cientistas observam por aparelhos precisos como pensamos e senti- mos, ficou evidente que a criatividade envolve o cérebro todo: no processo de criar algo, primeiro vem o interesse; em seguida, a preparação; depois vem a fase de incubação, que pode levar à iluminação e, por fim, a aplicação.

Em todas essas atividades, o cérebro vai recebendo estímulos em áreas diversificadas, que se comunicam como num sistema de rede. Quando te- mos um insight - um instante de iluminação -, a alegria nos invade e nos enchemos de entusiasmo - é o instante mágico da criação! Então, agimos com segurança e perseverança, pois sabemos que a idéia é viável. Depois, é só verificar sua viabilidade na prática e executá-la.

Segundo Arthur Koestler, um dos criadores de uma das teorias da criatividade - a Análise Fatorial -, a criatividade é manifestada na ciência, na arte e no humor.

Google Inc. é exemplo de empresa que valoriza a criatividade e estimula funcionários a terem sempre novas idéias

A criatividade é como uma energia poderosa, latente no ser humano, liberada de acordo com os recursos disponíveis e as características do veículo de expressão. Assim, alguém pode expressá-la de forma limitada, embora tenha todo o potencial em si mesmo; outra pessoa pode canalizá-la para a ciência, uma outra, para as formas artísticas e toda sua gama de variedade, enquanto outras a expressam por meio dos dotes humorísticos.

"JA ATRIBUÍRAM A ORIGEM DA CRIATIVIDADE A ALGO DIVINO OU À LOUCURA. SÓ DEPOIS A PPSICOLOGIA PASSOU A ESTUDÁ-LA"

É comparada com a energia elétrica e suas formas de utilização, desde a cachoeira até a lâmpada de poucos volts. Eunice Alencar, considerando esse modo de perceber a criatividade, diz: "Referência a esse aspecto foi feita por Vygotsky (1987), através de uma analogia entre criatividade e eletricidade, descrita da seguinte forma por Neves-Pereira (Integração, 1996): 'Percebemos que a eletricidade está presente em eventos de diferentes magnitudes. Existe em grande quantidade nas grandes tempestades, com seus raios e trovões, mas ocorre também na pequena lâmpada, quando ligamos o interruptor. A eletricidade é a mesma, o fenômeno é o mesmo, só que expresso com intensidades diferentes. A criatividade se processa da mesma forma. Todos somos portadores dessa energia criativa. Alguns vão apresentá-la de forma magnânima, gigantesca, outros vão irradiar a mesma energia, só que de maneira suave, discreta. A energia é a mesma, a capacidade também, apenas distribuída de forma diferenciada'".

Ao longo do tempo, a criatividade foi vista como sendo de origem divina, como loucura, passou a ser estudada pela Psicologia, analisada como uma dissociação interagindo matrizes diferentes. Também já foi considerada própria de gênios intuitivos, como Leonardo Da Vinci, assim como uma força vital e uma força cósmica.

Carl Rogers considera uma pessoa criativa quando ela consegue expressar suas potencialidades. Outros a vêem como solucionadora de problemas e, mais recentemente, há os que estudam as funções dos hemisférios cerebrais e o papel da criatividade.

Há quem imagine que, para pensarmos com originalidade, precisamos familiarizar-nos com as idéias alheias. Mas há gênios que se destacaram na sociedade, embora não procurassem tomar conhecimento das idéias alheias para estimular sua criatividade. Jorge Luís Borges não costumava ler jornais e Einstein dizia que "o dom da imaginação foi mais importante para mim do que a minha capacidade de assimilar conhecimentos". Na maioria dos casos, a liberdade é essencial para que se produza algo.

CRIAR PARA TRABALHAR
Em 1954, Alex Osborn, publicitário estadunidense, já se interessava pela divulgação do estudo e sistematização da criatividade. Fundou o Creative Education Foundation (CEF), que vem treinando muitos profissionais nessa área.

A Harvard Business School também faz treinamento para que funcionários tenham sempre novas idéias. Com os funcionários mais criativos acontecem duas coisas: ou mu- dam a empresa ou mudam de empresa.

Em momentos de crise, só a imaginação é mais importante que o conhecimento

Há um interesse crescen- te voltado para esse treina- mento, pois, de acordo com especialistas, permanecerão no mercado as empresas que forem mais criativas e usa- rem com maior freqüência a intuição. As empresas que não priorizam a criatividade estão encontrando dificulda- de em se manterem no mer- cado... Os sábios já diziam: "Na crise, crie". E o mundo encontra-se em crise.

Acompanhando o pro- cesso de desenvolvimento das empresas ao longo dos últimos séculos, e estudando as perspectivas para o século atual, percebemos que o uso da criatividade e o equilíbrio emocional têm sido muito importantes para a manutenção e sus- tentação no mercado para aqueles que desejam se firmar e crescer como um bom profissional.

"SE SOLUCIONO OS DESAFIOS QUE A VIDA OFERECE, SOU CRIATIVO; SE TRANSFORMO OBJETOS COMUNS EM PEÇAS DE ARTE OU LHES ATRIBUO NOVAS UTILIDADES, TAMBÉM"

Segundo Edward de Bono, autor de vários livros sobre criatividade, especialmente dirigidos para administradores de empresas, o ser humano tem um potencial criativo imenso, mas desco- nhecido, e esse potencial é o que faz a diferença.

Acostumado a viver num meio no qual o racionalismo e a vida material são supervalori- zados, o homem moderno tem relevado outros componentes que fazem parte de sua estrutura psíquica, como as aspirações, a criatividade, a intuição, a atenção para o seu lado espiritual, sonhador, assim como o investimento nas re- lações interpessoais, tão importantes quanto as relações meramente profissionais e comerciais.


Indisciplinados
◆ Longe da au- tomotivação e da disciplina típicas de seres criativos vi- vem sujeitos cheios de criatividade. Pouco se fala acerca das características positivas dos por- tadores de TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade). Em meio ao caos insta- lado em seus pensa- mentos e à preguiça típica, eles às vezes têm um turbilhão de boas idéias, que surgem por impulso. E é igualmente por impulsivo que dará vida a suas idéias, o que o motiva e, quando estas con- tituem um desafio, gera um hiperfoco de concentração.

O SER CRIATIVO
De um modo geral, as pessoas criativas têm interesses diversificados, são automotivadas, gerando um clima de entusiasmo à sua volta. Além do mais, são empreendedoras, persistentes e perseverantes, corajosas, autodiscipli- nadas e se mantêm atualizadas.

Muitas vezes, apesar da aparência sosse- gada, intimamente buscam vários interesses, são tomados como "irrequietos".

Ulrich Kraft, no ar- tigo Em busca do gênio da lâmpada, expõe os pontos característicos do pensamento diver- gente apresentado por Guilford, na Teoria da Criatividade - Análi- se fatorial: fluência de idéias; pluralidade, fle- xibilidade; originalida- de; elaboração; sensibi- lidade para problemas; redefinição. O pensa- mento divergente está relacionado às funções do hemisfério direito do cérebro, enquanto o hemisfério esquerdo processa o pensamento convergente.

Mas como saber se sou ou não criativo? Se consigo solucionar, de maneira satisfató- ria, os desafios que a vida me oferece, então posso me considerar uma pessoa criativa. Se olho para objetos comuns e os transformo em peças de arte ou lhes dou uma outra utilidade, sou criativo. Se observo o mundo, as situações e as pessoas de forma flexível e tolerante, eu tenho criatividade. Se meus pensamen- tos alçam vôos bem mais altos do que o co- mum dos mortais, se tenho uma visão plena e abrangente, e nesses vôos aceito a intuição, colocando em prática minhas idéias, então, faço uso das minhas potencialidades. Se sou capaz de sentir a alegria e o entusiasmo durante esse processo, compreen- dendo a minha utilidade no meio em que vivo, posso me considerar uma pessoa co-criadora, uma filha de Deus!

TREINAMENTO INOVADOR
Muitos perguntam: como desenvolver a cria- tividade? Desenvolvemos a criatividade reservando alguns minutos por dia para o silêncio e a medi- tação, prestando atenção a esse espaço criado no turbilhão de pensamentos e que vai mos- trar o que fazer, como fazer, quando fazer... Procurando ser autoconfiante, fazer visualiza- ção criativa, exercitar a criatividade em casa, nas pequenas coisas, no grupo de amigos. Ler revistas e livros diversificados, manter-se atu- alizado, preparado. Acreditar- se capaz, seguro de si mesmo.

Ao iniciar os estudos sobre o cérebro, em 1991, e verifi- car na prática os efeitos dessas técnicas que venho utilizando, percebo que todos os estudio- sos encontram-se no caminho certo, pois o nosso potencial é imenso e cada pessoa tem uma propensão diferente de outra.

Assim, podemos estimular a criatividade usando os recur- sos das palavras, do raciocínio lógico, dos trabalhos manuais, dos desafios imaginativos, e tantos outros. Costumo dizer aos meus alunos que, assim como eles conse- guiram descobrir que são capazes de se expressar bem pela arte, um outro instrutor poderá des- vendar a capacidade para a Matemática, a Física, ou qualquer outra área do conhecimento.

"PODEMOS ESTIMULAR A CRIATIVIDADE USANDO OS RECURSOS DAS PALAVRAS, DO RACIOCÍNIO LÓGICO, DOS TRABALHOS MANUAIS, DOS DESAFIOS IMAGINATIVOS"


DDAS FAMOSOS
◆ Tom Cruise, conhecido por sua dislexia, é talentoso e igualmente criati- vo na composição de seus persona- gens, segundo os diretores cinemato- gráficos com quem trabalhou. Tom também possui DDA.

◆ Einstein, o gênio dos insights, é outro DDA famoso.

◆ Mozart, Bona- parte e Thomas Edison também eram DDA.

◆ Walt Disney, o "pai" de Mickey chegou a ser demitido de um jornal"por não pos- suir boas idéias"

◆ Jonh Lennon e Ernest Hemnin- gway, consagrados na música e lite- ratura contempo- râneas, ativavam o hiperfoco para chegar às brilhantes criações que hoje conhecemos.

Vemos acontecer o processo de se saber cria- tivo em nosso curso: as pessoas chegam dizendo que não sabem desenhar e não conseguem criar nada. Em pouco tempo se desco- brem artistas e levam para o seu dia-a-dia a flexibilidade mental e a percepção visual, acrescidas da auto-estima, que dá segurança íntima e produtividade.

No livro Criatividade e cérebro - um jeito de fazer arte zen, transmito a experiência com o desenvolvimento da criatividade, utilizando como recurso a arte, a meditação, a visualização e os exercícios mentais. Esses exercícios con- tribuem para que haja uma interação maior entre o hemisfério cerebral esquerdo e o hemisfério direi- to, facilitando uma vivência mais equilibrada, no trabalho, em casa, nos relacionamentos.

Os alunos executam determinados exercícios de desenho nesse clima, desenhos que estimulam o cérebro todo, valorizando as funções do hemisfério direito, que é, na maioria de nós, ocidentais, negligenciado. Em muitos desses exercícios estimulamos a prática da paciência, fundamental no processo criativo.

Passamos também, periodicamente, exercícios mentais, videoterapia, e sempre, no final das aulas, realizamos uma ginástica cerebral para integrar os dois hemisférios cerebrais.

As pessoas que me procuram para fazer o curso "Criatividade e Cérebro" são as mais diversas: de crianças com dois anos e meio de idade a idosos de 83 anos. As profissões também variam: são professores, médicos, advogados, psicólogos, donas-de-casa, estudantes de todos os níveis, aposentados.

A porcentagem de criatividade independe do sexo, o que pode ser constatado em uma avaliação que faço de como as pessoas estão usando o cérebro.

Temos percebido, em nosso trabalho de estimulação cerebral pela arte, que muitos alunos realizam desenhos com temas espirituais, embora não tenham hábito de fazer esse tipo de representação. Um adolescente ao término de uma das suas primeiras aulas, olhando para o seu trabalho, disse surpreso: "Mas eu costumo fazer desenhos de caveiras, de homens lutando, e agora eu desenhei São Francisco!".

Como procuramos silenciar a mente e a voz enquanto realizamos as tarefas artísticas, provavelmente estimulamos também o ponto místico, de que fala Vilayanu Ramachandran, e, ao mesmo tempo, revelamos o artista desconhecido que todos nós somos, como vemos nos desenhos destas páginas.

"DESENVOLVER OS POTENCIAIS QUE TRAZEMOS EM ESTADO LATENTE CONTRIBUI PARA A NOSSA LONGEVIDADE E CRIATIVIDADE"

Vilayanu Ramachandran, em recente artigo publicado pela Revista Cérebro e Mente, da Unicamp, narra o resultado de suas observações em pessoas com lesões no lobo temporal: "Elas passam a se expressar de forma surpreendente através das artes e, de acordo com pesquisa realizada na Austrália, usando estimulação eletromagnética transcranial (TMS) e silenciando temporariamente os lobos frontais em adultos normais, a pessoa consegue fazer desenhos bem-feitos e bonitos". Pergunta ele: "Teremos de esperar por um derrame ou ataques epilépticos para desencadear esse potencial? Ou ele pode ser conseguido através de meios menos drásticos?"

Buscando desenvolver os potenciais que trazemos em estado latente, estaremos contribuindo para a nossa longevidade e criatividade, formando novas conexões entre os neurônios, vivendo com maior clareza mental e dilatando nossa percepção do outro ser humano: aquele que está ao nosso lado e nem sempre o compreendemos.


Formas variadas: curso ajuda sujeito a descobrir- se criativo em simples manifestações artísticas


Formas bem definidas: experiências eletromagnéticas em pessoas com lesões cerebrais revelaram facilidade para fazer desenhos bem-feitos

Celeste Carneiro é arteterapeuta, criadora do curso "Criatividade e Cérebro - Artezen" (1992) e autora de livros. Professora dos cursos de Pós-Graduação: Arteterapia Junguiana do Instituto Junguiano da Bahia; Psicologia Transpessoal da PHOENIX - Centro de Desenvolvimento Transpessoal, Universidade Federal de Sergipe, e do Instituto Hólon, Fundação Bahiana para o Desenvolvimento das Ciências (FBDC) - BA. Contato: cel5@terra.com.br - www.artezen.org

Revista Psique

Um comentário:

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