domingo, 9 de maio de 2010

Criança, a escola e a família


Criança, a escola e a família
Miriam Altman

No início da vida, o bebê e a mãe estão num relacionamento muito próximo, não existe ainda para o bebê uma diferenciação entre ele e a mãe.

É necessário que seja assim, pois é esta proximidade que mantém a mãe e o pai também, tão atentos e disponíveis para atender as necessidades do bebê. A partir desta primeira relação a criança vai começar a se diferenciar da mãe e poder se ver separada dela, com uma existência própria, mas para que isto ocorra muito tempo e condições favoráveis serão necessárias.

Isto porque a criança pode ir formando dentro dela, em sua mente, uma imagem segura de uma mãe amiga e protetora. Essa imagem anterior pode confortar a criança nos períodos de ausência da mãe.

Também a mãe, se tudo correu bem, pode voltar a encarar sua vida e suas ocupações, quanto mais a dupla mãe-bebê tenha sido capaz de desfrutar da sua relação inicial, tanto mais provável que ocorra a gradativa separação em duas pessoas.

As relações familiares, os mundos conhecidos da rotina da casa se tornam as primeiras referências da criança. A ida para a escola maternal pode significar uma ruptura com este mundo conhecido e por isso se tornar muito assustador para a criança, assim como para seus pais.

É natural que uma situação nova e desconhecida suscite medos, ansiedades e insegurança por isto é importante que os educadores possam considerar essas emoções como algo esperado nesta situação e na medida do possível ir conversando com a criança e com seus pais a respeito da repercussão destas vivências.

A intensidade com que cada um vai experimentar essa situação depende muito de aspectos particulares da personalidade e também da dinâmica familiar. Essas vivências podem ter um caráter bastante primitivo e fogem de qualquer tentativa de explicação racional. Vamos procurar descrever algumas das fantasias e angústias que podem estar envolvidas nestas experiências de separação.

Estes sentimentos e fantasias podem referir-se à idéia de que o crescimento e a conseqüente separação impliquem numa ruptura muito brusca e sem volta. Se for assim a mãe pode não tolerar que o filho se afaste dela, tenha seus amigos e interesses particulares dos quais ela não faz parte, pois esse fato passa a ser ameaçador. Da mesma forma é muito comum os sentimentos possessivos, ciumentos e o desejo de controlar a mãe presente na mente infantil.

A criança pode ter medo de que a mãe não voltará e que, portanto está diante de um abandono. Nestes momentos, em função das fantasias inconscientes, a separação pode ser sentida como algo terrível, por ambas as partes, e pode tentar ser evitada.

O comportamento de muito agarramento pode também estar relacionado com as fantasias e com desejos de posse, exclusividade e controle sobre o objeto, sem poder aceitar que a outra pessoa tenha uma vida própria, decida suas ações com liberdade, tenha seus pensamentos, enfim, seja uma pessoa em separado.

O fato é que a separação é inevitável na vida de cada um de nós, para que haja crescimento é necessário que a separação seja tolerada, mesmo considerando que é muitas vezes um processo doloroso pois implica em mudança, em perdas por situações conhecidas e no enfrentamento das angústias e fantasias decorrentes destas vivências.

Outro aspecto presente é a crença de que o filho é como uma extensão dos pais, sem uma diferenciação. Alguns pais se relacionam com o filho como se fosse um eterno bebê sem reconhecer as condições e os recursos da criança, dessa forma infantilizam seus filhos. Podem ser alertados e orientados pela escola, podendo repensar sua conduta e agir mais de acordo com a realidade da criança.

Quem observou muito bem esses fenômenos psíquicos infantis foi a psicanalista inglesa Melanie Klein. Notou o quanto a separação pode também despertar o ódio na criança e como conseqüência surgirem fantasias muito primitivas e hostis como as que relatamos acima dificultando muitas vezes a separação com a mãe e o ingresso no maternal.

A experiência da criança no maternal e na pré-escola pode ter pouca semelhança com a educação e o aprendizado formais dos anos seguintes, entretanto o que ela aprender pode ser de grande valor para sua vida. Além de ter espaço e liberdade para brincar, pode começar a aprender a conviver com outras crianças, que é ao nosso ver um aspecto muito importante.

Poder experimentar o dar e receber dos relacionamentos sociais, aprender que é possível experimentar raiva sem fazer muito mal, descobrir que as outras crianças podem ser amistosas ao mesmo tempo em que são hostis. O papel do educador é fundamental, pois pode propiciar um ambiente seguro onde estas descobertas vão ocorrendo.

Quanto mais cedo uma criança com dificuldades puder ser ajudada, mais possibilidades de se desenvolver de forma satisfatória ela terá; progredindo em sua autoconfiança e desenvolvendo sentimentos de segurança.

Estes sentimentos são na maior parte das vezes inconscientes e a mãe não se dá conta, mas a criança pode estar reagindo a algum tipo de comunicação sem palavras. Os aspectos inconscientes estão sempre presentes nas relações humanas, é da natureza deles que não tenham um sentido lógico nem coerente.

A maior contribuição de Freud foi mostrar que estes processos inconscientes além de existirem têm uma força considerável em nossas ações e comportamentos. Tanto é, que na maior parte das vezes nos vemos tendo certas atitudes sem que saibamos porque. Às vezes procuramos dar explicações racionais e lógicas, mas não podemos captar o real sentido, pois não nos é acessível.

Estamos sempre diante de situações, sobretudo nas relações humanas, onde a presença do desconhecido se faz presente. A crença no poder da razão e na força dos processos da consciência foi profundamente abalada depois das descobertas de Freud e seus seguidores.

Estas fantasias descritas, por nós anteriormente, são inconscientes, elas surgem na mente de cada um de nós independente da nossa vontade, da nossa razão e mesmo do nosso controle. Esta visão compreensiva dos processos psíquicos pode ajudar o educador a olhar para os acontecimentos cotidianos ao qual está exposto na escola sem o vértice moral ou crítico, pois os pais não agem de forma inadequada com os filhos por maldade.

A escola pode ajudar a incentivar com que os pais façam uma reflexão sobre os aspectos emocionais envolvidos na relação com os filhos, a perceber o quanto estes aspectos se fazem presentes e influem no desenvolvimento, crescimento e socialização das crianças; desta forma tomando consciência das suas próprias emoções e atitudes possam ser orientados a adotar uma conduta mais adequada e realista com relação ao filho.

Alguns pais são mais abertos e maleáveis o que facilita muito a comunicação, outros são mais rígidos, fechados e impenetráveis. Podem se mostrar muito sensíveis às observações e comentários sentido-se criticados. Por isto, a função da escola não é fácil e exige habilidade para lidar com estas situações.

Vamos descrever à seguir o que é o “objeto transacional” e qual sua função no desenvolvimento infantil. Quando estamos falando em separações, em situações novas e desconhecidas onde a criança experimenta angústia medo e desamparo, o “objeto transacional” serve como suporte, um apoio para a criança.

Quem nos apresentou este conceito foi um pediatra e psicanalista inglês D. W. Winnicott que observou e trabalhou com crianças.

Segundo ele, este objeto é escolhido pela criança, não é imposto pela mãe e nem por nada externo a ela, ao seu desejo e vontade. Às vezes uma fralda velha, um pedaço de roupa dos pais, um cobertor, possui características muito particulares, como por exemplo o cheiro, por isto não pode ser lavado.

Este objeto não é auto-erótico, como por exemplo, chupar o dedo ou enrolar o cabelo; é externo ao corpo da criança, por isto dizemos que é uma ponte que faz a ligação entre a criança e o mundo externo.

Para cada criança tem um sentido, sente como algo seu que lhe passa segurança, pois é algo muito familiar, pode sentir que tem a posse e o controle pode levar para aonde quer. Tem poderes sobre este objeto, é seu e não varia independente do seu desejo como tantas outras coisas sobre as quais não pode ter controle nenhum.

Até uma certa idade o uso desse objeto é esperado e faz parte, ajuda a criança a levar consigo algo que pode lhe tranqüilizar e a lidar com a ausência-presença da mãe, mas depois de certa idade a necessidade premente da presença deste objeto pode indicar que algo não vai bem com a criança.

O papel do educador é poder ajudar a criança pequena a criar outros interesses, mostrando que não está em situação de perigo ou ameaça que precise se agarrar a este único objeto, “tábua de salvação”. Esta passagem deve ser gradual, o objeto fica por perto e mais tarde pode ser devolvido à criança. Se a retirada deste objeto “apoio” for brusca, sem respeito ao ritmo pessoal de cada criança, corre-se o risco de criar um clima de angústia e insegurança, o que só pode dificultar o processo de adaptação.

Pois, participar de uma atividade, interagir com outras crianças podem ser situações novas e desconhecidas para as crianças pequenas, causadoras de ansiedades, mas que paulatinamente, com a ajuda do educador, podem se encorajar a experimentar e por fim tirar muito proveito.

Outro aspecto que vamos abordar hoje é a presença dos sintomas e o sentido que podem ter como expressão de conflitos internos. As dificuldades não se expressam de forma clara e direta, mas sim com disfarces para que possam ser aceitas pela consciência e causa o mínimo de dor psíquica possível.

Este fato é que pode dar o caráter estranho e bizarro a certos sintomas. Como falávamos anteriormente da presença das fantasias e processos inconscientes podemos agora compreender que os sintomas têm sempre um sentido que está relacionado com as fantasias inconscientes.

Vamos pensar em um exemplo: uma criança não quer ir à escola, apresenta isto de forma muito intensa que chega a se expressar como uma fobia. Não há razão aparente para este tipo de medo e terror. Aqui os fatores são internos e desconhecidos para a própria criança que está sofrendo e não sabe porque, para os pais e educadores. Não há, portanto uma explicação lógica nem racional.

Como a criança não pode tomar contato com o real sentido desses medos, expressa sua angústia projetando, ou seja colocando seu terror num objeto externo a ela mesma, no caso a escola. Dessa forma pode temporariamente se esquivar de uma dor se afastando da escola. Este medo de estar na escola pode estar relacionado com as fantasias inconscientes que estávamos descrevendo no início do artigo, às vezes é preciso paciência até que estas fantasias possam ir naturalmente sendo elaboradas.

Neste sentido os sintomas se apresentam como arranjos entre forças mentais antagônicas e conflitantes com o intuito de evitar percepções dolorosas; só que a pessoa sem se dar conta acaba criando situações muito difíceis e sofridas para ela mesma.

Entendemos que a escola e os pais, estando atentos ao desenvolvimento das crianças, possam observar seus comportamentos e cheguem a notar quando algo se expressa de forma exagerada e muito desarmônica. É importante usar a intuição como um meio de se localizar e captar o pedido de ajuda que não costuma ser expresso de forma tão direta e clara.

Esperamos através desta breve exposição colaborar para a compreensão das complexas interações entre a criança, a escola e a sua família.

Miriam Altman é Psicóloga Clínica, Coordena grupo de estudos voltados para educadores e psicólogos. http://www.revistapsicologia.com.br/


Revista Catharsis

Um comentário:

  1. Olá Eduardo!
    Dei 'uma espiadinha' em seus blogs e amei todos eles... Participações assim engrandecem a Educação brasileira! Vou seguir este pensando também nos outros que, com certeza, visitarei sempre!
    Um grande abraço,
    Luísa

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