Carolyn Pope Edwards
Como o trabalho educacional realizado em Reggio Emilia − e em escolas de outros países em diálogo com a cidade italiana − pode continuar sendo relevante nas próximas décadas
As crianças freqüentam a escola hoje, mas o que aprendem vão usar amanhã. Quando aprendem as habilidades e informações certas hoje, um futuro melhor as aguarda. Entretanto, como vivermos em tempos de rápidas transformações, tornou-se excessivamente difícil prever exatamente que problemas e oportunidades nossas crianças enfrentarão no século XXI. O que elas devem saber que lhes será útil e ajudará o planeta a sobreviver? Que modelo de escola há de servi-las melhor nos anos que estão por vir?
Como alguém que viveu nos Estados Unidos por seis décadas, mas também viajou extensamente, meu primeiro pensamento é que nenhum modelo de escola é o melhor. Na verdade, é bom quando líderes e cidadãos de um país são educados em uma diversidade de modelos, de forma que possam contribuir com diferentes pontos de vista aos debates e discussões de planejamento. Dediquei grande parte de minha vida profissional à descrição e à disseminação das abordagens educacionais pioneiramente instituídas em Reggio Emilia, na Itália. Neste artigo, pretendo explicar como o trabalho educacional realizado em Reggio Emilia - e em escolas de outros países em diálogo com a cidade italiana - pode continuar sendo relevante nas próximas décadas.
Para quem não conhece essa abordagem e o que ela representa, eis um breve histórico (ver também Gandini, 2002; Edwards, Gandini e Forman, 1998; Gandini e Edwards, 2001; Edwards e Rinaldi, 2008). Reggio Emilia é o nome de uma cidade localizada perto de Bolonha, ao norte da Itália, onde um grupo de educadores, pais e alunos voluntários reuniram-se após a Segunda Guerra Mundial para criar um sistema de escolas para crianças pequenas. Depois do sofrimento e da devastação causados pela guerra, eles queriam trazer esperança à sociedade e melhorar a vida tanto das crianças quando de suas famílias. Sob a liderança de seu diretor fundador, Loris Malaguzzi (1920-1994), as pré-escolas evoluíram de um movimento cooperativo de pais para um sistema administrado pela prefeitura. Malaguzzi era um educador carismático - um gênio teórico, mas alguém com senso prático que podia estender a mão a todos - , cuja morte não foi capaz de deter o progresso das iniciativas de educação para crianças pequenas. Hoje, Reggio Emilia ainda exerce um papel de liderança na inovação educacional na Itália, na Europa e, cada vez mais, no mundo todo.
Que problemas educacionais a cidade está enfrentando? Será que as respostas e soluções de Reggio Emilia sugerem que suas escolas continuarão sendo bons modelos para todos nós no século XXI? Reggio Emilia não é, evidentemente, um lugar estático, mas sim uma comunidade que está desenvolvendo-se e transformando-se em dimensões políticas, sociais e culturais. A administração municipal responde com ajustes correspondentes em suas escolas e em outros serviços. Por exemplo, a Itália está constantemente recebendo imigrantes da África e do Leste Europeu. Nos últimos 10 anos, a diversidade nas pré-escolas municipais de Reggio Emilia aumentou, sendo que atualmente 11,5% das famílias minoritárias representam 12 idiomas diferentes, um aumento enorme comparado com períodos anteriores.
Os educadores de Reggio estão conscientes de querer dar mais visibilidade a essas crianças e pais minoritários. Observando-se as recentes publicações e álbuns de fotos de Reggio Emilia, vêem-se hoje muito mais crianças e pais negros do que no passado, o que sugere novas atitudes e consciência. A maior visibilidade das crianças e de famílias minoritárias indica que Reggio Emilia, mesmo com todos os seus bens e recursos, confronta-se igualmente com muitas questões políticas e culturais de outras comunidades do mundo e está buscando formas de responder a elas. Considerando sua habilidade para resolver outros problemas complexos, podem estar mostrando-nos algumas novas estratégias importantes nos próximos anos.
Além disso, os jovens pais da cidade de Reggio Emilia não cresceram nas mesmas condições que os pais que fundaram o afamado sistema educacional pré-escolar; logo, não têm um automático senso de responsabilidade por ele. Os pais de hoje têm novos pontos de vista e desejos, pois cresceram no próspero final do século XX, e não nos tempos de desespero da guerra e no período do pós-guerra. Em resposta, o governo municipal de Reggio Emilia expandiu significativamente a variedade de programas e serviços oferecidos às criança, aos jovens e às famílias, com vistas a ampliar a base de defensoria e apoio público aos serviços como um todo e atrair mais fatias da população.
Por exemplo, a cidade oferece novos programas de meio-turno ou após as aulas, além de eventos culturais, com o intuito de reunir muitas pessoas de idades e ocupações diferentes. Uma vez que a cidade não tem condições de oferecer serviços de creche para todas as crianças (e nem todas as famílias querem esse serviço), outros tipos de programas culturais e educacionais importantes estão sendo fornecidos, como, por exemplo, aqueles relacionados com o ativo centro de reciclagem ReMida. Uma nova entidade dirigente foi criada em 2003 para proporcionar desenvolvimento profissional e apoio familiar para todas as pré-escolas de Reggio Emilia, além de existirem centros cooperativos de pais financiados apenas parcialmente por fundos públicos.
Os novos serviços têm o objetivo de romper barreiras e prevenir ressentimentos divisores entre famílias utilizando diferentes tipos de serviços pré-escolares. As soluções sugerem que os educadores continuam considerando suas escolas não como um caminho isolado, mas como parte de uma rede de serviços na qual o todo é maior do que a soma das partes. O que uma família recebe não pode ser separado do que é oferecido ou fornecido a outras famílias, enquanto as inovações ou facilidades e novos programas oferecem um modelo de comunidade que constrói conscientemente a advocacia de todo o seu sistema como parte de uma visão de construção que os italianos chamam de "cultura da infância".
Uma terceira grande mudança em Reggio Emilia é um esforço concentrado para encontrar modos sustentáveis e poderosos de receber visitantes e manter um diálogo internacional. A REChild, publicação oficial da organização Crianças de Reggio, foi lançada em 1996. Ainda mais significativa foi a inauguração do Centro Internacional Loris Malaguzzi, em fevereiro de 2006. Este já está tornando-se um lugar maravilhoso para a realização de conferências, encontros, oficinas e outros eventos educacionais. Delegações estrangeiras continuam fluindo para Reggio Emilia.
O novo centro está sediando conferências internacionais. Sua equipe planejou e instalou duas exposições: uma sobre a história da educação pré-escolar em Reggio Emilia e a outra sobre crianças e espaços arquitetônicos. Além disso, em seu Centro de Documentação, os educadores preparam uma nova exposição itinerante, denominada The Wonder of Learning: One Hundred Languages of Children [A Maravilha de Aprender: As Cem Linguagens das Crianças], que foi inaugurada em junho de 2008, em Boulder, no Colorado (EUA), durante a quarta conferência anual da North American Reggio Emilia Alliance (NAREA).
A exposição difere das versões anteriores devido à sua utilização expandida de formatos multimídia, tais como segmentos em DVD, que podem ser operados pelos espectadores em praticamente todas as seções da exposição, cobrindo tópicos variados, como alfabetização, música, participação e inclusão de crianças com deficiências. Os educadores de Reggio Emilia continuam desenvolvendo suas teorias e ampliando suas práticas, especialmente por meio de inovações no uso de tecnologia educacional e de uma rede de contatos e intercâmbio em expansão com educadores de muitos países.
Apresento a seguir seis princípios centrais da abordagem de Reggio Emilia − e minha crença de que eles ainda são relevantes na discussão sobre educação pré-escolar no século XXI.
A imagem da criança como um aprendiz competente e poderoso. As necessidades e características das crianças nas escolas Reggio estão mudando no século XXI, mas a criança, em sua poderosa capacidade de florescer e desenvolver-se, continua sendo a mensagem central dos educadores.
O professor como facilitador da aprendizagem e como pesquisador das experiências de aprendizagem das crianças. O papel dos professores de Reggio Emilia como nutridores, parceiros e guias na aprendizagem de crianças já foi bem-descrito. Novos papéis de treinador e mentor oferecem idéias sobre como professores mais experientes podem trabalhar como professores menos experientes em seu sistema, assim como prestar consultorias ao redor do mundo.
O ambiente como outro professor, o qual oferece provocações para o aprendizado das crianças. A área de arquitetura, projeto de salas de aula e mobília para crianças é uma dentre as quais Reggio Emilia continua oferecendo modelos de tirar o fôlego, com o uso de iluminação, materiais, cores e organização que são intelectualmente emocionantes para crianças, pais, professores e visitantes.
O currículo oferece provocações para as investigações a longo prazo das crianças em áreas de seu interesse. No passado, os educadores de Reggio Emilia evitaram ser demasiado explícitos sobre as decisões dos professores por recearem que as pessoas tentariam transformar essas descrições em um livro de receitas, mas a nova exposição, The Wonder of Learning, revela mais claramente a seqüência em que se desenrola um projeto de aprendizagem.
As possibilidades oferecidas em apoio à aprendizagem das crianças quando pais, professores, alunos e a comunidade colaboram no processo de aprendizagem. As relações entre as pré-escolas e a cidade evoluíram por conta das mudanças na população, das novas instalações e estruturas administrativas e da liderança da organização denominada Crianças de Reggio (empresa pública e privada mista que administra as iniciativas de intercâmbio pedagógico e cultural). Elas oferecem aulas sobre parceria comunidade-professor na direção das escolas.
O processo de documentação como meio de tornar a aprendizagem visível e aprofundá-la através da reflexão e de perguntas adicionais. As escolas de Reggio Emilia evoluíram para incluir um novo foco na música, no movimento, na dança e na tecnologia - "linguagens" das crianças que antes não eram enfatizadas - e novas estratégias para documentar e comunicar esse aprendizado por meio das novas tecnologias digitais.
Em suma, o que chamamos de "abordagem de Reggio Emilia" não é um modelo educacional no sentido formal, com métodos definidos, padrões de certificação de professores e processos de credenciamento. Em vez disso, os educadores de Reggio Emilia falam de sua "experiência" (o que significa todo o corpo orgânico do que aconteceu em suas escolas e por meio de suas interações em conferências, encontros e comunicações escritas). Os educadores esperam que suas experiências possam ser uma fonte de reflexão para os outros. Eles também enfatizam a importância do "contexto", ou seja, dos educadores de todas as partes formarem uma consciência profunda de si próprios em termos de comunidade, cultura, oportunidades, desafios e recursos. A intenção não é copiar Reggio Emilia, e sim desenvolver interpretações dessa experiência que sejam úteis para o estudo e a discussão de outros educadores que enfrentam suas condições culturais e educacionais.
Carolyn Pope Edwards é professora
na Universidade de Nebraska-Lincoln (EUA).
cedwards1@unl.edu
Revista Patio
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